12/12/2025
Planejamento sucessório e risco fiscal: A venda de imóveis por holdings e a recente jurisprudência do CARF
Por: Júlia Fernandes Ceregato Zucoloto
A constituição de holdings patrimoniais consolidou-se, na última década, como um dos instrumentos mais sofisticados e eficientes para o planejamento sucessório e a proteção de ativos no Brasil. No entanto, a popularização dessa estrutura atraiu, inevitavelmente, o escrutínio rigoroso da Receita Federal. O ponto nevrálgico dessa fiscalização reside na linha tênue - porém decisiva - entre a legitimidade da economia tributária e a simulação de atos para reduzir a carga fiscal.
Um precedente recentíssimo do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), julgado em setembro de 2025, ilustra com clareza solar os riscos de manobras contábeis desprovidas de substância econômica. Este caso foi consubstanciado pelo Acórdão nº 1102-001.742m cujas implicações práticas para empresários e grupos familiares serão aqui abordadas.
O contexto: ganho de capital vs. receita operacional
No regime do Lucro Presumido, a distinção na tributação da venda de imóveis é abissal. Quando classificada como venda de ativo imobilizado, a operação sujeita-se à apuração de Ganho de Capital, com alíquotas que podem chegar a 34% (somando IRPJ e CSLL). Por outro lado, se a venda for tratada como receita da atividade operacional (estoque), aplicam-se os percentuais de presunção (8% para IRPJ e 12% para CSLL), resultando em uma carga tributária efetiva significativamente menor, em torno de 6% a 7% sobre o faturamento bruto.
É natural, portanto, que empresas busquem enquadrar suas operações na segunda hipótese. Contudo, como demonstra o caso em tela, a forma jurídica não pode se sobrepor à realidade dos fatos.
O caso concreto: acórdão 1102-001.742
No julgamento realizado em 29 de setembro de 2025, a 2ª Turma Ordinária da 1ª Seção do CARF analisou o caso da empresa "GBZ-Participações e Empreendimentos Ltda". A companhia, optante pelo Lucro Presumido, realizou a venda de imóveis de alto valor e tributou os ingressos como receita operacional.
Para sustentar essa classificação, a empresa promoveu duas ações principais:
- Alteração Contratual: Incluiu em seu objeto social a atividade de compra e venda de imóveis em 2015.
- Reclassificação Contábil: Transferiu os bens do Ativo Não Circulante (Imobilizado) para o Ativo Circulante (Estoque).
A fiscalização, contudo, descaracterizou a operação. Identificou-se que os imóveis integravam o patrimônio da empresa há anos e jamais haviam sido adquiridos com o intuito de revenda. Pelo contrário, serviam de residência para os sócios ou eram objeto de locação. O Fisco concluiu que a reclassificação contábil e a alteração do objeto social, realizadas às vésperas das vendas, foram manobras artificiais para mascarar a ocorrência de ganho de capital.
A decisão do CARF: A prevalência da substância
O CARF manteve a autuação fiscal, consolidando o entendimento de que a reclassificação contábil, por si só, é insuficiente para alterar a natureza tributária da operação. O Relator destacou que, para a receita ser considerada operacional, é indispensável a prova efetiva de que a aquisição original do bem tinha o propósito de revenda, característica inerente ao estoque.
O tribunal administrativo reforçou que a legislação comercial e os princípios contábeis (CPC 16 e CPC 27) determinam a classificação do ativo baseada na sua destinação real e econômica, e não na vontade momentânea do contribuinte visando benefício fiscal.
Além da cobrança da diferença do imposto (IRPJ e CSLL sobre o ganho de capital), foram mantidas:
Multa qualificada: Pela evidência de dolo e fraude na conduta de simular uma situação fática inexistente. É relevante notar que, devido a uma alteração legislativa superveniente mais benéfica (retroatividade benigna), a multa foi reduzida de 150% para 100%.
Responsabilidade solidária do administrador: O sócio-administrador foi responsabilizado pessoalmente, pois seus atos (uso de bens da empresa para moradia própria e articulação da manobra contábil) excederam os poderes de gestão regular e configuraram infração à lei.
Análise estratégica: Riscos e oportunidades
Este acórdão não deve ser lido como uma proibição à venda de imóveis por holdings com a tributação favorecida do Lucro Presumido. A venda de imóveis por sociedades patrimoniais é, em si, uma operação comum e perfeitamente legítima.
Contudo, a lição que extraímos para nossos clientes é clara: o planejamento deve ser estrutural, não oportunista.
- A Intenção Original Importa: O tratamento tributário é definido, primordialmente, pela intenção no momento da aquisição. Se um imóvel foi adquirido para renda (aluguel) ou uso próprio, sua venda posterior, via de regra, gerará ganho de capital.
- A Frequência não é Determinante, a Compatibilidade Sim: Diferentemente do que alegou a fiscalização em certo ponto, não é necessário que a holding realize vendas diárias para caracterizar receita operacional. O essencial é que a atividade de compra e venda esteja prevista no contrato social e seja compatível com a realidade operacional da empresa desde a origem do ativo.
- Cuidado com a "Virada de Chave": A alteração do objeto social e a reclassificação contábil imediatas antes de uma venda vultosa são "red flags" automáticos para a malha fiscal. A substância econômica deve preceder a forma jurídica.
Conclusão
O caso GBZ serve como um alerta contundente: o Fisco e o CARF estão cada vez mais técnicos na análise da realidade material das operações societárias. A tentativa de transmudar ganho de capital em receita operacional, sem o devido lastro fático, expõe o patrimônio da empresa e os bens pessoais dos sócios a riscos severos.
Por outro lado, existe um vasto campo para a estruturação eficiente de negócios imobiliários, desde que o planejamento seja realizado com antecedência e técnica jurídica apurada. A gestão tributária eficiente não é aquela que esconde fatos, mas a que constrói estruturas sólidas e defensáveis.
Diante da complexidade demonstrada neste julgamento e das nuances que separam o planejamento lícito da simulação, recomendamos uma revisão criteriosa da carteira de ativos imobiliários de sua empresa. Nossa equipe especializada em Direito Tributário e Societário está à inteira disposição para avaliar os impactos específicos desse entendimento jurisprudencial em suas operações e desenhar a estratégia mais segura e eficiente para a gestão do seu patrimônio.