12/12/2025

Custo de aquisição e formalismo societário: CARF refirma rigor e acende alerta para a nova tributação de dividendos

Por: Guilherme Piton Zucoloto

No complexo xadrez do planejamento tributário, a distinção entre a potencialidade econômica e a formalização jurídica é, frequentemente, a linha tênue que separa a eficiência fiscal de uma autuação milionária.

Recentemente, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) proferiu uma decisão paradigmática no Acórdão nº 2202-011.490, julgado em 12 de setembro de 2025. O tribunal administrativo reafirmou que, para fins de apuração de ganho de capital na alienação de participações societárias, o custo de aquisição não pode ser majorado por reservas de lucros que, embora existentes na contabilidade, não foram formalmente incorporadas ao capital social.

Este precedente não deve ser lido de forma isolada. Ele ganha contornos de urgência quando analisado sob a ótica da Lei nº 15.270, que reinstitui a tributação de dividendos. Com o encerramento do ano-calendário se aproximando, a janela para revisitar a estratégia de lucros acumulados das empresas está se fechando.

Neste artigo, dissecamos a racionalidade do CARF e conectamos este entendimento às manobras necessárias até 31 de dezembro de 2025.

O Caso: A Tentativa de Uso de Reservas "Sombra"

O litígio em questão envolveu um contribuinte que, ao alienar a totalidade de suas quotas na empresa Luvex Indústria de Equipamentos de Proteção Ltda., apurou o ganho de capital utilizando um custo de aquisição de R$ 3.745.600,00. No entanto, a Receita Federal reconheceu apenas R$ 1.000.000,00, valor lastreado nos contratos sociais arquivados na Junta Comercial.

A divergência de mais de R$ 2,7 milhões correspondia a reservas de lucros contabilizadas no Patrimônio Líquido, mas não incorporadas ao capital social.

A tese do contribuinte baseava-se na substância econômica: argumentava-se que tais valores já haviam sido tributados na pessoa jurídica e integravam o patrimônio transferido, de modo que sua desconsideração implicaria tributação de riqueza inexistente e violação ao princípio da capacidade contributiva.

A Decisão do CARF: A Forma Jurídica

A 2ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 2ª Seção do CARF, por unanimidade, manteve a autuação fiscal. A fundamentação do Relator Thiago Buschinelli Sorrentino é uma aula sobre a taxinomia do capital social versus reservas.

Os pontos centrais do acórdão que todo gestor deve compreender são:

  1. Reversibilidade das Reservas: Diferente do capital social, que é uma cifra fixa e estatutária, as reservas de lucros são, por natureza, reversíveis. Enquanto mantidas como reservas, elas permanecem à disposição dos sócios para diversas destinações, inclusive a distribuição como dividendos.
  2. Necessidade do Ato Formal: A legislação (Lei nº 9.249/95 e RIR/99) condiciona o aumento do custo de aquisição à efetiva incorporação de lucros mediante aumento de capital. O CARF foi taxativo: a mera existência contábil não configura incorporação.
  3. Segurança Jurídica: Permitir que reservas não capitalizadas integrem o custo de aquisição criaria uma zona de incerteza, onde alterações meramente contábeis — e reversíveis — produziriam efeitos tributários definitivos sem a devida publicidade e formalização perante terceiros (Junta Comercial).

A decisão é tecnicamente irrepreensível. Na pessoa física, não vigora o Método de Equivalência Patrimonial (MEP). Portanto, o custo de aquisição é histórico e nominal, alterando-se apenas mediante aporte de novos recursos ou capitalização formal de lucros, conforme estrita previsão legal.

O Cenário Estratégico: O Impacto da Lei 15.270

Embora o caso julgado se refira a fatos geradores passados, sua ratio decidendi é crucial para o momento presente. Estamos diante de uma mudança estrutural com a Lei nº 15.270, que retoma a tributação de dividendos.

A nova legislação oferece uma regra de transição vital: a isenção (ou tributação reduzida, a depender do caso) sobre os lucros apurados até 31 de dezembro de 2025, desde que observados requisitos específicos de distribuição ou capitalização.

Aqui reside o perigo - e a oportunidade.

Muitas empresas mantêm saldos expressivos em contas de "Lucros Acumulados" ou "Reservas de Lucros" sem a devida formalização. Se a intenção dos sócios é blindar esses valores da nova incidência tributária ou utilizá-los para aumentar o custo de aquisição de suas quotas (reduzindo um futuro ganho de capital na venda da empresa), a inércia será fatal.

Conforme demonstrado pelo CARF, não basta a intenção ou o registro contábil. Se a empresa não realizar a alteração contratual pertinente e o registro na Junta Comercial para capitalizar esses lucros, ou não deliberar formalmente sua distribuição dentro do prazo legal, o contribuinte poderá:

  • Perder o "step-up" do custo de aquisição: Numa futura venda da empresa (M&A), o sócio pagará imposto sobre um ganho de capital inflado artificialmente, pois não poderá deduzir os lucros retidos (como ocorreu no caso analisado).
  • Sofrer a nova tributação de dividendos: Os lucros não tratados adequadamente até o fim de 2025 poderão ser contaminados pelas novas regras de incidência a partir de 2026.

Conclusão e Próximos Passos

O Acórdão 2202-011.490 é um lembrete severo de que, no Direito Tributário, a forma muitas vezes é a substância. Reservas de lucros são meras expectativas de direito até que um ato societário as transforme em capital efetivo ou em dividendo declarado.

Para empresários e gestores, a mensagem é clara: o balanço patrimonial de 2025 não é apenas um demonstrativo contábil, é um instrumento de defesa patrimonial.

Estamos nos últimos dias para realizar os ajustes societários necessários para mitigar os impactos da Lei 15.270. A "limpeza" das contas de reservas, seja via capitalização formal (para aumentar o custo fiscal das quotas) ou distribuição efetiva, deve ser executada com precisão cirúrgica antes da virada do ano.

Diante do exíguo prazo até 31 de dezembro e da complexidade trazida pela Lei 15.270, a revisão da estrutura de capital das empresas é imperativa.

Nosso escritório dispõe de uma equipe multidisciplinar (Societário e Tributário) pronta para realizar um diagnóstico expresso das reservas de lucros da sua empresa. Podemos identificar a melhor estratégia - capitalização ou distribuição - e, crucialmente, implementar a formalização jurídica necessária para garantir a segurança fiscal da operação, evitando surpresas como a enfrentada no caso julgado pelo CARF.