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Contrato de parceria rural ou arrendamento disfarçado? Decisão do CARF acende alerta para o agronegócio
Por: Guilherme Zucoloto
O agronegócio, pilar da economia nacional, opera sobre uma complexa malha de relações contratuais. Dentre elas, a distinção entre parceria e arrendamento rural é crucial, não apenas do ponto de vista do Direito Agrário, mas sobretudo por suas drásticas consequências tributárias.
Uma recente decisão da 2ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), proferida no Acórdão nº 2201-012.138, serve como um alerta para produtores rurais e empresas do setor: a denominação do contrato é irrelevante quando a realidade econômica da operação aponta para outra direção.
No julgamento, ocorrido em 25 de julho de 2025, o colegiado manteve, por unanimidade, uma autuação fiscal milionária contra uma contribuinte, por entender que o “Contrato de Parceria Agroflorestal” por ela celebrado configurava, na essência, um contrato de arrendamento.
A decisão em questão desconsiderou o nomen iuris (nome atribuído) ao contrato e focou na substância, ou seja, na essência da relação, um princípio basilar do direito tributário, que sempre preza pela verdade real.
Neste artigo, analisaremos os fundamentos da decisão e suas implicações práticas, apontando os principais pontos de atenção que proprietários de terras e empresas devem observar para mitigar riscos fiscais substanciais.
O Ponto Central da Controvérsia: Risco e Preço Fixo
A diferença fundamental entre a parceria e o arrendamento rural reside na partilha de riscos e resultados. Conforme o Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964), a parceria rural constitui contrato agrário no qual o proprietário da terra cede o uso do imóvel com o objetivo de exercer atividade de exploração, partilhando os riscos de caso fortuito, força maior, frutos, produtos e variações de preço.
Por outro lado, o arrendamento se assemelha a um aluguel: o proprietário (arrendador) cede o uso e gozo do imóvel por um preço fixo, uma retribuição certa, sem assumir os riscos da atividade.
A implicação tributária dessa distinção é direta e muito distinta:
- Arrendamento: Os rendimentos recebidos pelo proprietário são tributados como aluguel, sujeitos à tabela progressiva do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF), com alíquotas de até 27,5%, via recolhimento mensal obrigatório (carnê-leão).
- Parceria: Os rendimentos são considerados resultado da atividade rural. Ambas as partes (proprietário e parceiro-explorador) são tributadas como tal, na proporção que couber a cada uma, o que permite a compensação de despesas e um tratamento fiscal geralmente mais benéfico.
A Análise do CARF: A Realidade Econômica Prevalece sobre a Forma
No caso concreto, a fiscalização descaracterizou a parceria celebrada entre a proprietária de terras e uma grande empresa do setor de papel e celulose (Klabin S.A.). Ao analisar o mérito, a Relatora, Conselheira Luana Esteves Freitas, e os demais julgadores identificaram cláusulas contratuais que esvaziavam completamente os elementos essenciais da parceria.
Os principais fatores que fundamentaram a decisão foram:
- Pagamento Fixo e Desvinculado da Produção: O contrato previa o pagamento de um valor mensal fixo à proprietária, calculado com base em percentuais de “árvores médias a serem formadas” e atualizado pela cotação da saca de soja. O CARF entendeu que essa estrutura, embora atrelada a uma commodity, garantia uma receita previsível e certa, característica do arrendamento, independentemente do sucesso da colheita.
- Ausência Total de Compartilhamento de Riscos: A fiscalização apontou, e o acórdão confirmou, que todos os riscos do negócio — produção, caso fortuito, força maior e variações de preço da madeira — eram integralmente assumidos pela empresa parceira. Um instrumento particular de compra e venda futura, firmado em conjunto, eliminou para a proprietária qualquer risco, transformando-a em mera recebedora de um valor predeterminado.
- Falta de Gerência sobre a Atividade: A proprietária não detinha qualquer poder de decisão sobre a exploração da terra. Cabia exclusivamente à empresa a escolha das espécies a serem plantadas, as técnicas de manejo e a condução da atividade florestal.
A conclusão do colegiado foi inequívoca, e, nas palavras do colegiado, “o negócio jurídico deixou, definitivamente, de ser de parceria rural para se transformar em arrendamento rural, apesar da denominação que lhe foi dada pelos contratantes.”
Implicações Estratégicas: Riscos e Recomendações
Esta decisão do CARF, alinhada à jurisprudência consolidada do órgão, envia uma mensagem clara ao mercado: o Fisco está atento à essência dos contratos do agronegócio.
Empresas e produtores que utilizam modelos contratuais de parceria apenas para obter vantagens tributárias, sem a efetiva partilha de riscos e resultados, estão expostos a riscos severos.
Os principais perigos incluem:
- Autuações Fiscais Retroativas: Lançamento do IRPF sobre os valores recebidos nos últimos cinco anos, com a aplicação da tabela progressiva.
- Multas Punitivas: Aplicação de multa de ofício de 75% sobre o imposto devido. No caso em questão, a fiscalização chegou a aplicar a multa qualificada de 150% por entender haver intuito de fraude, penalidade que, embora revertida em primeira instância para 75%, demonstra a gravidade com que a Receita Federal encara tais planejamentos.
- Juros de Mora: Incidência de juros Selic sobre todo o débito, elevando significativamente o passivo.
A estruturação correta dos contratos agrários não é um mero formalismo, mas uma necessidade estratégica. É imperativo que os instrumentos reflitam a real divisão de responsabilidades, decisões, custos, riscos e, consequentemente, dos resultados do empreendimento.
Diante da complexidade do tema e do rigor do Fisco, a revisão criteriosa dos contratos em vigor é uma medida prudencial indispensável. Uma análise detalhada pode identificar vulnerabilidades e permitir a readequação dos instrumentos, prevenindo a materialização de contingências fiscais que podem comprometer a saúde financeira tanto do proprietário rural quanto da empresa parceira.
Nossa equipe de especialistas fica à disposição para avaliar os impactos específicos desta decisão sobre as suas operações e para desenhar a estratégia contratual e tributária mais segura e eficiente para o seu negócio.