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11 de junho de 2024

Recuperação Judicial: solução imediata ou alternativa?

Por: Rodrigo de Oliveira Spinelli

Um assunto atual que tem dominado as mídias do país, a recuperação judicial, vem sendo uma pauta constante nos meios de comunicação. Os processos de reestruturação de empresas de grande porte, de renome nacional e internacional, como o caso das Americanas, Telefônica Oi, Starbucks, da companhia de aviação GOL, 123 Milhas, Grupo Petrópolis, Light, COESA, Americanas, Casas Bahia e de grandes produtores rurais, certamente contribuíram para a expansão do tema, que diante de tantos casos, proporcionam um debate jurídico de muita relevância no sentido de desmistificar a complexidade que é o processo de recuperação judicial.

Regulada pela Lei nº 11.101/2005, sofrendo algumas alterações advindas da Lei nº 14.112/2020, a recuperação judicial, pode e deve ser olhada como uma forma de reestruturação. No entanto, não pode ser vista como única e imediata oportunidade de salvação da empresa em crise.

O processo recuperacional pode ser resumido em dois artigos da norma legal, o art. 47 e art. 6º, §4º. O primeiro dispositivo, conhecido como princípio da preservação da empresa, tem o condão de auxiliar na superação da empresa em crise, com o desiderato final de alcançar o soerguimento no mercado, preservando, assim, a atividade desenvolvida, a fonte produtora, que gera empregos, que movimenta a econômica local, rende tributos, preservando, ainda, os interesses dos credores.

O art. 6º, §4º, somado ao teor principiológico do art. 47, tem o condão de auxiliar no soerguimento empresarial, posto que a sua finalidade é garantir que, em pelo menos 180 dias, a empresa em crise que pleiteou e teve deferido o processamento da recuperação judicial, tenha o fôlego necessário, evitando o prosseguimento de atos de constrição do seu patrimônio oriundos de ações e execuções movidas pelos credores. Esse prazo de 180 dias (que podem ser renovados uma única vez pelo mesmo prazo), que pode ser prorrogado uma única vez por igual período, é conhecido como “stay period” ou período de blindagem, que protege por um determinado período o patrimônio dos devedores em recuperação judicial.

Em atenção ao princípio da preservação da empresa, que rege a Lei nº 11.101/2005, nada mais lógico que a empresa em crise, tenha a proteção do patrimônio que a auxilia no desenvolvimento da sua atividade.

Portanto, grosso modo, a recuperação judicial é um processo de reestruturação, com blindagem patrimonial, por um período determinado (jamais infinito), que tem o fito de salvaguardar atividade empresarial viável, garantindo o desenvolvimento econômico de determinada empresa, mantendo a fonte produtora, empregos e pagamento de tributos. Enfim, mantendo a engrenagem da economia rodando.

Inobstante a teoria, a prática, por vezes, podem divergir daquilo que foi criado para salvar as empresas em crise. Muitas empresas e empresários, quando se encontram em momentos de crise financeira/econômica, se enxergam obstados e cerceados de tomarem providencias dentro do seu negócio, uma vez que estão com todo ou quase todo patrimônio revestido de averbações em favor de terceiros (penhor, hipoteca, alienação fiduciária etc.), o que certamente reduz ou praticamente subtraí totalmente as possibilidades de acesso ao crédito, que em sua grande maioria é o maior produto fomentador da atividade, posto que sem recursos financeiros é praticamente impossível dar continuidade ao desenvolvimento econômico. E nesses casos, quando os empresários estão com seu patrimônio substancialmente constritos em razão de dívidas que se tornaram impagáveis, não conseguem mais acesso ao crédito, colocando em risco a continuação da sua atividade, a recuperação judicial pode ser uma alternativa.

Ninguém discute que a intenção da Lei de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência, veio para garantir, não só para o empresário em crise, mas, sim, a todos os envolvidos na relação econômica (devedor – empregados – credor – consumidor – Estado) uma alternativa a crise instalada, visando manter o devedor em atividade, a manutenção dos empregados, credor com clientes, o consumidor como destinatário final da mercadoria ou serviço oferecido e principalmente o Estado com a receita tributária oriunda de toda essa cadeia econômica.

O que gera o debate é a forma descabida, sem estratégia e a qualquer custo, que os empresários/empresas em crise estão utilizando do sistema da reestruturação previsto na Lei nº 11.101/2005. A prerrogativa de reestruturação via Poder Judiciário está amparada pela Lei e, repita-se, deve ser usada. Contudo, deve ser utilizada quando de fato há uma atividade a ser preservada e exista a possibilidade de soerguimento, ou seja, a empresa é viável possuindo capacidade de se manter no mercado, necessitando apenas do fôlego necessário, visando a reestruturação e renegociação das dívidas.

Embora seja uma minoria, mas não são raros os casos de fraude trasvestidos de pedidos de recuperação judicial ou extrajudicial. Então, até mesmo para servir como forma de tentar auxiliar os empresários/empresas, que almejam a reestruturação e soerguimento com fundamento na Lei nº 11.101/2005, visando a solução para a crise momentânea vivenciada, seguem algumas orientações para os cenários práticos:

Acredita-se em três tipos de cenários, são eles: Pré-insolvência, Pedido de Recuperação Extrajudicial e Pedido de Recuperação Judicial.

A Pré-insolvência é um cenário mais tranquilo aos empresários. É um momento em que ainda é possível sentar-se à mesma mesa que os credores em pé de igualdade para negociar, existindo, ainda, uma boa relação entre credor e devedor. Neste cenário, vale considerar a utilização da Lei nº 11.101/2005, mais propriamente o art. 20-B. Trata-se de um momento anterior ao pedido de recuperação judicial, que serão chamados para a negociação apenas credores pontuais. Normalmente são os que detêm os maios créditos. Aqui é instalada uma mediação/conciliação fora do ambiente judicial, momento em que devedores e credores, por si sós, tentam viabilizar a autocomposição. E para equilibrar as negociações e todos ficarem no mesmo patamar, sem a famosa expressão “corda no pescoço”, é concedido ao devedor o prazo de 60 dias de blindagem patrimonial, ou seja, não poderão os credores convocados para a mediação, tomar medidas de persecução do crédito. Inclusive, havendo a autocomposição entre as partes nesse período de 60 dias, será desnecessário o ajuizamento do pedido de processamento da recuperação judicial, bastando apenas a homologação pelo juízo competente.

O Pedido de Recuperação Extrajudicial previsto no art. 161 da Lei nº 11.101/2005, é um cenário em que ainda há vontade dos credores em negociar com o devedor, existindo também uma boa relação. E assim como no cenário antecedente, o procedimento ocorre fora do Poder Judiciário. Contudo, diferentemente da pré-insolvência, é necessário chamar todos os credores, pois os credores pontuais que foram mencionados no cenário anterior, não serão suficientes para a conclusão das negociações. E na maioria das vezes podem ser um fator complicador para o deslinde da aprovação, visto que é necessário a aprovação de pelo menos 50% (cinquenta por cento) de cada classe de credores, que são divididas em Classe Trabalhista, Classe Garantia Real, Classe Quirografária e Classe ME e EPP. Aqui os devedores podem desfrutar da blindagem patrimonial com um prazo um pouco mais amplo de 90 dias enquanto negociam com os credores. Em caso de aprovação de mais de 50% dos créditos de cada classe, os devedores deverão apenas requerer a homologação perante o juízo competente.

O Pedido de Recuperação Judicial, já é um cenário onde tudo está estremecido. Não há mais espaço para diálogos fora do âmbito judicial. Credores e devedores já não se entendem, não existindo margem para negociação. É o pior dos cenários. Aqui, o devedor necessitará do amparo do Poder Judiciário para conseguir negociar com os credores em um ambiente mais negocial e equilibrado. Há nesta situação uma proteção patrimonial mínima de ao menos 180 dias, podendo ser prorrogado por igual período uma única vez. Poderá ser necessário, também, um aporte financeiro de terceiros, atualmente conhecido como DIP Financeiro, com previsão no art. 69-A da Lei nº 11.101/2005. Para este caso, o empresário em recuperação judicial, deverá apresentar perante o Juízo, um plano de recuperação judicial, demonstrando toda as razões da crise, como pretende superá-la e como irá liquidar a dívida com todos os seus credores. Com seu patrimônio protegido por até 360 dias, em uma Assembleia Geral de Credores o devedor e os credores, acompanhados pelo Administrador Judicial (especialista de confiança e nomeado pelo Juízo), irão deliberar mediante voto individual se a empresa/empresário em recuperação judicial continuará em atividade. Neste momento é analisado por todos os credores se a empresa é viável ou não, além de analisar a proposta de pagamento dos créditos em cada classe. Superada esta questão, aprovado o plano em Assembleia Geral de Credores, o magistrado competente irá analisar a legalidade das cláusulas do plano aprovado e, após essa análise, será homologado o plano e concedida a recuperação judicial, novando todos os créditos sujeitos a recuperação judicial. É um procedimento mais complexo e moroso o que os demais, mas tentou-se aqui, resumir os principais pontos.

Para os credores, é necessário registrar que devem se atentar ainda mais a concessão de créditos e produtos. Devendo se preparar antecipadamente, ainda que em contratos pretéritos a crise que supervenientemente possa existir, buscando o auxílio de escritório especializados na área da insolvência e reestruturação.

Vale ressaltar que os credores além de terem direito a voz e voto nas Assembleias Gerais de Credores nos processos de recuperação judicial, podem questionar o valor e a classe do crédito arrolado pelo devedor. Podendo fazê-lo através dos instrumentos conhecidos como divergência e impugnação de crédito. O primeiro se faz na fase administrativa do processo, apresentando suas razões ao Administrador Judicial nomeado pelo Juízo. O segundo se faz de forma judicial perante o Juiz da recuperação judicial.

Ainda, é crucial registrar quais são os créditos que não se sujeitam aos processos de recuperação judicial, são eles: Alienação Fiduciária, Cessão Fiduciária, Ato Cooperativo (crédito realizado com cooperativas), contratos com reserva de domínio, Cédula de Produto Rural com liquidação física, arrendamento mercantil, proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, crédito fiscal/tributário, enfim, esses são os principais créditos que não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial. Portanto, os credores que possuírem esses tipos de créditos com algum empresário/empresa em recuperação judicial, deve providenciar a divergência ou impugnação de crédito a depender da fase processual.

Ademais, apesar de existir um imbróglio judicial, até por ser a recuperação judicial um processo de jurisdição voluntária, podem os credores e devedores, realizarem parcerias em prol do soerguimento da empresa e manutenção da relação de negócios, seja com fornecimento de crédito, produtos ou prestação de serviços. E, para isso, normalmente são criadas nos planos de recuperação judicial, as classes de credores parceiros/colaboradores, o que facilita e muito o andamento e encerramento do processo.

É imperioso destacar, portanto, que a recuperação judicial jamais deve ser vista como a única solução, devendo ser considerada como uma alternativa. Até porque, o processo recuperacional não é uma solução imediata.

Por fim, diante de todo o aqui discorrido, há de se consignar e compreender que o problema não é a quantidade expressiva de distribuições de pedido de recuperações judiciais e extrajudiciais. Ora, a lei foi criada, existe e está em vigência. O problema não é a norma. O problema está na quantidade minoritária que tenta fraudar os seus credores através do instituto recuperacional, recaindo a fama para o instituto de soerguimento resvalando ainda nos empresários que agem de boa-fé, desalinhavando toda a engrenagem econômica, visto que estremecesse a relação com os credores, fornecedores, investidores, reduz a capacidade de manutenção de empregos, causa prejuízo ao Estado e ainda descredibiliza uma norma que veio para salvaguardar o interesse de todos.

Portanto, é necessário o devedor compreender que apesar da legislação existir ela deve ser utilizada com responsabilidade, posto que a utilização demasiada e sem qualquer compromisso com os termos da Lei só irá encarecer o acesso a produtos, ao crédito e até descredibilizar o instituto. Por outro lado, os credores, visando manter os clientes e a fomentação da economia, até porque no momento de fornecer o produto e/ou crédito, existia ali uma relação de confiança, mas também havia a análise de risco, precisam saber diferenciar os fraudadores daqueles que necessitam do soerguimento e agem de boa-fé, sob pena do instituto entrar em desuso.