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Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal, aos olhos da Lei Complementar 38/1995, Estado do Mato Grosso: divergências e conflitos de normas face à Lei Federal nº 12.651/2012
Por: Diego Henrique Rossaneis
O Estado do Mato Grosso tem como legislação ambiental central a Lei Complementar nº 38/1995, que “dispões sobre o Código Estadual do Meio Ambiente e dá outras providências”, existindo aí várias peculiaridades e especificidades aplicáveis somente no Estado, por vezes até mesmo em detrimento das legislações federais, mormente a Lei nº 12.651/2012.
No presente estudo, abordaremos os dispositivos legais que versam sobre o instituto das áreas de preservação permanente e da reserva legal, com base na legislação estadual mencionada, trazendo paralelo com a legislação federal e apontaremos algumas decisões judiciais que versam sobre esse conflito de normas.
Pois bem, os dispositivos a serem abordados aqui estão elencados dentre os artigos 58 ao 65, da Lei Complementar nº 38/1995, do Estado do Mato Grosso. Quanto à definição, em suma, não há nenhuma diferença substancial dos institutos analisados frente a Lei nº 12.651/2012.
Quanto aos sistemas que configuram áreas de preservação permanente, vemos algumas diferenças. Uma delas é aquela contida na alínea “c”, do artigo 58, da Lei Complementar 38/1995[1] frente ao inciso IV, do artigo 4º, da Lei nº 12.651/2012[2].
Nesse ponto, a legislação estadual é mais restritiva que a federal, pois essa determina que configura área de preservação permanente no entorno de nascentes e olhos d’água, mesmo que esses sejam intermitentes (cessa e recomeça, determinado período brota água, outro não), quando, naquela, apenas há faixa de preservação permanente no entorno de nascentes e olhos d’água perenes (que perduram durante longos períodos, duradouras).
Outra divergência, mais uma vez mais restritiva na legislação estadual analisada, é aquela contida na alínea “b”, do mesmo artigo 58, da Lei Complementar 38/1995[3], frente ao inciso II, do artigo 4º, da Lei nº 12.651/2012[4].
Na LC, áreas no entorno de lagos, lagoas ou reservatórios d’água naturais ou artificiais, geram faixas de preservação permanente quando, na legislação federal, apenas é gerada faixa de preservação permanente em lagos e lagoas, se esses forem naturais (não gera APP em lagos e lagoas artificiais) e, quanto aos reservatórios de água artificiais, apenas geram APP se forem decorrentes de barramento ou represamento de cursos d’água naturais.
Noutro ponto, também existem algumas divergências quanto ao instituto da reserva legal, uma delas é aquela contida no §3º, do artigo 62, da Lei Complementar 38/1995[5] face ao artigo 15, da Lei Federal nº 12.651/2012, no que tange ao cômputo das áreas de preservação permanente no percentual da reserva legal.
Na legislação estadual apenas é possível o cômputo se a soma das áreas de preservação permanente e da reserva legal excederem ao percentual mínimo previsto na legislação federal, ou seja, no artigo 12, da Lei nº 12.651/2012. Trocando em miúdos, por exemplo, se o imóvel se localizar na Amazônia legal, devendo conter 80% (oitenta por cento) de reserva legal (inciso I, artigo 12, Lei nº 12.651/2012[6]), apenas será possível o cômputo das áreas de preservação permanente no percentual da reserva legal, se a soma dessas áreas for superior a 80% da área total do imóvel.
Quanto a esse item, a legislação federal autoriza o cômputo das áreas de preservação permanente no percentual da reserva legal, quando os requisitos de seu artigo 15 forem cumpridos[7]. Em mencionado dispositivo legal, não há nenhuma restrição que verse sobre percentuais mínimos e máximos de reserva legal, tal como indicado na legislação estadual analisada. Então, vemos que os requisitos para somatória das áreas de preservação permanente no percentual da reserva legal são totalmente distintos.
Outra diferença flagrante entre a legislação estadual e a federal é sobre a localização da área de reserva legal. Na legislação estadual (§4º, artigo 62, LC 38/1995[8]), é apontado que a localização da reserva legal deverá ser, preferencialmente, uma extensão das áreas de preservação permanente e confrontar-se com a reserva legal dos imóveis vizinhos, tendo como parâmetro a formação de grandes fragmentos florestais contínuos.
Já na legislação federal, é dito que a localização da reserva legal deverá atender alguns requisitos, esses contidos no artigo 14, da Lei Federal nº 12.651/2012[9]. Um desses requisitos, aquele indicado no inciso III, assemelha-se à exigência contida na legislação estadual que versa sobre a formação de fragmentos florestais contínuos, corredores ecológicos, etc. Os demais requisitos estão previstos apenas na legislação federal, inexistindo na legislação estadual.
Como vimos, existem significativas diferenças entre as duas legislações mencionadas e, existindo conflito entre as mesmas, o judiciário deverá ser acionado e analisará o caso fático em si, a especificidade da norma conflituosa, o nível de proteção ambiental (mais ou menos restritiva), o caráter local, dentre outros requisitos, tendo em vista a competência concorrente em matéria legislativa ambiental entre os entes federativos.