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25 de março de 2024

Estou contratando, posso exigir a apresentação de certidão de antecedentes criminais?

Por Lara Sponchiado

A pergunta é pertinente, sobretudo porque envolve informação que diz respeito à vida privada do trabalhador (dado sensível), além de ser indispensável para prevenir passivo trabalhista originado na fase pré-contratual, seja no processo seletivo, seja quando o trabalhador já foi escolhido e está em vias de entregar a documentação para formalização do contrato de trabalho.

No caso, o questionamento foi enfrentado pelo Tribunal Superior do Trabalho que, no julgamento do Recurso Repetitivo n° 243000-58.2013.5.13.0023, definiu que, a depender da função para a qual o sujeito está sendo contratado, é possível sim exigir a certidão de antecedentes criminais, desde que as atividades exijam especial confiança no trabalhador, como, por exemplo, cuidadores de idosos, crianças ou deficientes (em creches, asilos ou instituições afins), empregados domésticos, motoristas rodoviários de carga, empregados que laboram no setor de agroindústria no manejo de ferramentas de trabalho perfurocortantes, bancários e afins, trabalhadores que atuam com substâncias tóxicas, entorpecentes e armas, bem como os que atuam com informações sigilosas, sem prejuízo de outros, a depender da avaliação cautelosa do setor responsável, veja:

“INCIDENTE DE RECURSO DE REVISTA REPETITIVO. TEMA Nº 0001. DANO MORAL. EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS. CANDIDATO A EMPREGO

Não é legítima e caracteriza lesão moral a exigência de Certidão de Antecedentes Criminais de candidato a emprego quando traduzir tratamento discriminatório ou não se justificar em razão de previsão em lei, da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido.

A exigência de Certidão de Antecedentes Criminais de candidato a emprego é legítima e não caracteriza lesão moral quando amparada em expressa previsão legal ou justificar-se em razão da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido, a exemplo de empregados domésticos, cuidadores de menores, idosos ou deficientes (em creches, asilos ou instituições afins), motoristas rodoviários de carga, empregados que laboram no setor da agroindústria no manejo de ferramentas de trabalho perfurocortantes, bancários e afins, trabalhadores que atuam com substâncias tóxicas, entorpecentes e armas, trabalhadores que atuam com informações sigilosas.

A exigência de Certidão de Antecedentes Criminais, quando ausente alguma das justificativas supra, caracteriza dano moral in re ipsa, passível de indenização, independentemente de o candidato ao emprego ter ou não sido admitido.”

O “Manual do Compliance Trabalhista: teoria e prática” acrescenta que também seria possível requisitar a certidão de antecedentes criminais de operadores de telemarketing, na medida em que “possuem acesso a dados sigilosos das cartelas de clientes da empresa, razão pela qual a exigência da certidão de antecedentes criminais do candidato é indispensável para a manutenção da segurança do empreendimento. A título de exemplo, não raramente ocorre a emissão de cartões de crédito ou a contratação de serviços mediante fraude em virtude do repasse de informações sigilosas a terceiros.” (SILVA, Fabrício Lima. PINHEIRO, Iuri. BOMFIM, Vólia. Manual do Compliance Trabalhista: teoria e prática. – 3. ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Editora JusPodivm, 2022. p. 121)

Por sua vez, Henrique Correia entende que “os trabalhadores de transportes de valores, em razão da fidúcia especial inerente ao trabalho, também podem ser submetidos à apresentação dos antecedentes”. (CORREIA, Henrique. Curso de Direito de Trabalho. 7. ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: JusPodivm, 2023, p. 253)

Portanto, a exigência de certidão de antecedentes criminais não é a regra, mas sim, exceção, razão pela qual, é necessário cuidado na definição de para qual ofício pedir, sob pena de arcar com indenização por dano moral.

Nesse sentido, decidem os tribunais trabalhistas:

Ultrapassado o referido ponto, verifica-se que, na hipótese, o reclamante foi contratado para exercer a função de “ajudante de armazém”, (…) Não há, portanto, nenhuma comprovação acerca do seu enquadramento nas situações previstas na citada decisão da Corte Superior. Por conseguinte, não se amoldando em nenhuma das hipóteses ventiladas na decisão, deve prevalecer o posicionamento adotado pela SBDI-1 no sentido de que, “quando ausente alguma das justificativas supra, caracteriza dano moral in re ipsa, passível de indenização, independentemente de o candidato ao emprego ter ou não sido admitido“. Procede, portanto, o pleito de danos morais pela exigência de certidão de antecedentes criminais.” (TRT-13 – ROT: 00006535520215130009 0000653-55.2021.5.13.0009, Data de Julgamento: 03/05/2022, 1ª Turma, Data de Publicação: 09/05/2022) (grifos da redatora)

A exigência de certidão de antecedentes criminais se justifica no presente caso, pois, embora a reclamante estivesse disputando vaga de auxiliar de limpeza, os serviços seriam prestados em repartição policial, que demanda maior cautela na seleção de todos os envolvidos. Nesse sentido, o Tema 1 dos Recursos de Revista Repetitivos já mencionado na r. sentença.” (TRT-15 – RORSum: 0011046-37.2020.5.15.0003, Relator: PATRICIA GLUGOVSKIS PENNA MARTINS, Órgão Especial – Análise de Recurso, Data de Publicação: 19/05/2021) (grifos da redatora)

Assim sendo, sabendo que a empresa exerce a atividade de costura e a reclamante, quando do exercício do labor na empresa (função de revisora – CTPS de fl. 19), tinha acesso a ferramentas que podem ser usadas como armas (tesouras), não há dúvidas quanto à legitimidade de se ter o cuidado de verificar os antecedentes criminais do (a) candidato (a) ao emprego.” (TRT-7 – RORSum: 0000145-13.2018.5.07.0032, Relator: FRANCISCO TARCISIO GUEDES LIMA VERDE JUNIOR, 3ª Turma, publicado no D.E.J.T. em 08/03/2019) (grifos da redatora)

Não obstante a fixação do Tema nº 1 pela Corte Superior do Trabalho, haja vista a edição da Lei n° 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados), é importante compatibilizar o entendimento consolidado com a LGPD, que restringe, no artigo 11, as hipóteses de tratamento de dados pessoais sensíveis.

Sobre esse pormenor, embora o legítimo interesse do empregador não esteja previsto no aludido dispositivo, é possível defender que a imposição de apresentação de certidão de antecedentes criminais quando se justificar em razão da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido pode ser viabilizada, a depender do caso concreto, (i) em razão de necessária proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiro (alínea “e” do art. 11, da Lei n° 13.709/2018), sobretudo porque compete ao empregador proporcionar meio ambiente seguro e sadio, sem prejuízo das hipóteses em que é garantidor, estando obrigado a evitar resultado danoso, bem como (ii) ante à garantia da prevenção à fraude e à segurança do titular, nos processos de identificação e autenticação de cadastro em sistemas eletrônicos, resguardados os direitos mencionados no art. 9º desta Lei e exceto no caso de prevalecerem direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a proteção dos dados pessoais. (alínea “g” do art. 11, da Lei n° 13.709/2018).

Diante dessas considerações, evidente que, quando não se tratar de algum mister que esteja previsto no rol exemplificativo fixado pelo TST, é necessário o exame minucioso se a função demanda laço maior de confiança do que outros postos de trabalho, a fim de não ser alvejado a risco de reclamação trabalhista por dano moral presumido.