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20 de março de 2024

Cláusula de renúncia às benfeitorias em contrato de locação não pode ser estendida às acessões incorporadas ao imóvel

Por Marcelo Perreira Vaz

Análise do atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça

Recentemente o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.931.087/SP entendeu pela impossibilidade de extensão da cláusula de renúncia à indenização por benfeitorias às acessões feitas no imóvel.

Eis a ementa do recurso:

“RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. CONTRATO DE LOCAÇÃO DE IMÓVEL URBANO NÃO RESIDENCIAL. CLÁUSULA DE RENÚNCIA À INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS. VALIDADE. EXTENSÃO À ACESSÃO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO. 1. O propósito recursal consiste em definir se houve ofensa ao princípio do devido processo legal e se a cláusula de renúncia às benfeitorias constante em contrato de locação pode ser estendida às acessões. 2. A questão referente à ofensa ao princípio do devido processo legal não foi debatida pelas instâncias ordinárias, não havendo, portanto, o devido prequestionamento, tampouco arguiu-se ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015, o que atrai o óbice das Súmulas 282/STF e 211/STJ. 3. Consoante o teor da Súmula n. 335/STJ, “nos contratos de locação, é válida a cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção”. 4. Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente (art. 114 do CC). Assim, a renúncia expressa à indenização por benfeitoria e adaptações realizadas no imóvel não pode ser interpretada extensivamente para a acessão. 5. Aquele que edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, a construção, mas se procedeu de boa-fé, terá direito à indenização (art. 1.255 do CC). Na espécie, a boa-fé do locatário foi devidamente demonstrada. 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido”. (STJ, REsp n. 1.931.087/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 24/10/2023, DJe de 26/10/2023).

O Código Civil Brasileiro e o Direito Imobiliário abrangem disposições legais que servem para regulamentar as relações locatícias, dentre elas, regulamentando o tratamento dado às benfeitorias e acessões em propriedades sujeitas à contrato de locação.

Dentre essas regulamentações, existe a cláusula de renúncia à benfeitorias realizadas no imóvel, a qual, inclusive, já foi devidamente chancelada pelo próprio Superior Tribunal de Justiça, na edição da Súmula 335: “Nos contratos de locação, é válida a cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção”.

Referida disposição é comumente incluída nos contratos de locação em geral, como forma de permitir ao locador manter as melhorias realizadas no imóvel pelo locatário, sem ter que indenizá-lo por isso.

A benfeitoria pode ser conceituada como um melhoramento realizado no imóvel, sendo elas úteis, necessárias ou voluptuárias. As úteis são as que aumentam ou facilitam o uso do bem. As necessárias são as que visam a conservação do bem ou evitar que este se deteriore e as voluptuárias são as que visam embelezar o bem, não trazendo nenhum benefício ou prejuízo no uso habitual.

Já a acessão envolve a incorporação natural ou artificial ao imóvel, resultando na aquisição do direito de propriedade sobre os acréscimos realizados. Ela está definida no artigo 1.248 do Código Civil e ocorre por formação de ilhas, aluvião, avulsão, abandono de álveo ou por plantações ou construções.

A acessão é um modo de aquisição de propriedade imobiliária mediante a união física de uma coisa acessória à coisa principal, aumentando o volume desta última. Como exemplo, uma construção tendente a ampliação de um imóvel ou alguma obra de adequação para que este atenda a uma finalidade específica realizada pelo locatário, é considerada uma acessão e não uma benfeitoria e, por tal razão, deve ter um tratamento diferenciado.

No seu voto, o Ministro Marco Aurelio Bellizze, cuidou de fazer essa diferenciação para assim decidir sobre a questão:

“(…) deve-se destacar a diferença existente entre acessão e benfeitoria, sendo esta um melhoramento realizado em coisa já existente, da qual é, portanto, acessório.

Já os bens imóveis por acessão são aqueles que resultam de acréscimos ao solo e pode dar-se por formação de ilhas, por aluvião, por avulsão, por abandono de álveo e por plantações ou construções (art. 1.248 do CC).

Assim, a acessão em um imóvel não pode ter o mesmo tratamento de uma benfeitoria e, por isso, mostra-se inviável estender a previsão contratual de renúncia à indenização por benfeitoria também à acessão, notadamente porque o art. 114 do CC determina que “os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente”.

No caso em análise, o locatário realizou obras de melhoria no imóvel locado, visando adequá-lo ao funcionamento de uma academia, tendo investido mais de R$ 1,1 milhão no imóvel, tudo mediante autorização da locadora. No entanto, o locatário não conseguiu iniciar as atividades de sua academia por falta de obtenção de alvará de funcionamento que não foi obtido ante a inexistência de interesse do proprietário do bem que impediu o locatário de iniciar suas atividades.

Assim, diante da nítida boa-fé do locatário, o STJ aplicou ao caso o artigo 1.255 do Código Civil, que dispõe que aquele que edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, a construção, mas se procedeu de boa-fé, terá direito à indenização.

O Superior Tribunal de Justiça estabeleceu que a cláusula de renúncia às benfeitorias nos contratos de locação não deve ser automaticamente estendidas às acessões não só pela natureza distinta desses institutos, mas também pelo fato de que a aquisição de propriedade decorrente da acessão implica um direito material que não pode ser sobrepujado por uma cláusula contratual de renúncia genérica, de modo que devem ser observados neste caso a boa-fé objetiva do locatário que é um dever das partes que deve ser mantido antes da celebração do contrato, durante sua execução e após sua conclusão.

Essa decisão do Superior Tribunal de Justiça reforça a importância da distinção entre as benfeitorias e as acessões, revelando que o Direito Brasileiro deve dar tratamento distinto a cada um desses institutos.

Com esse entendimento, o Superior Tribunal de Justiça deixou ainda mais claro que as renúncias às benfeitorias não implicam em renúncia automática às acessões, as quais compõem direito à indenização do locatário se provada a boa-fé deste na realização das melhorias, protegendo o seu direito de propriedade e garantindo, com isso, uma interpretação equitativa e conforme os princípios do direito de propriedade.

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