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13 de março de 2024

AS COOPERATIVAS DE CRÉDITO E A LEI DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Antonio Carlos Verzola

Rodrigo Spinelli

As cooperativas são sociedades de pessoas, de natureza civil, que não têm o lucro como objetivo, formadas pela união de cooperados que contribuem reciprocamente com bens ou serviços para a exploração de atividade econômica buscando proveito comum, conforme definido na Lei 5.764/71. Ordinariamente os resultados obtidos pelos cooperados são investidos nas suas áreas de atuação, contribuindo assim para o desenvolvimento regional, o que é da essência do cooperativismo. As cooperativas são formadas para atender às demandas de diversos segmentos da economia e em razão disso podem ser de diferentes espécies

Interessa-nos aqui examinar as cooperativas de crédito, cujo objetivo é a disponibilização de recursos para os seus cooperados, sob as formas de empréstimos e financiamentos, são consideradas instituições financeiras no sentido lato e se sujeitam à supervisão do Banco Central do Brasil que é o regulador do sistema financeiro nacional. Assim, como é comum a todas as instituições dessa espécie, o ingresso, a permanência e a saída do sistema são disciplinados por normas próprias e diferenciadas em relação às sociedades comuns. No que se refere à saída do sistema financeiro, em função de não mais reunirem condições de nele permanecer, ocorridas as hipóteses previstas na lei de regência, ou mesmo no caso de sua submissão a um regime jurídico preventivo, o tratamento legal a ser observado é o mesmo das demais instituições financeiras no sentido estrito. Por força disso, o art. 1º, da Lei nº 6.024/74 estabelece que as instituições financeiras privadas e as públicas não federais, assim como as cooperativas de crédito, estão sujeitas, nos termos desta Lei, à intervenção ou a liquidação extrajudicial, em ambos os casos efetuada e decretada pelo Banco Central do Brasil (…). (grifamos). Nessa linha o DL 2321/87 que criou o Regime de Administração Especial Temporária (RAET), determinou a sua incidência a todas as instituições financeiras, excetuadas as públicas federais. Em consonância com os dispositivos antes referidos a Lei 11.101/2005 que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, excluiu de sua aplicabilidade as cooperativas de crédito, conforme expressamente previsto no inciso II, do seu artigo 2º.

Em simetria com as disposições acima a mesma Lei 11.101/2005, desta feita no § 13, do art. 6º, dispõe que não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial os contratos e obrigações decorrentes dos atos cooperativos praticados pelas cooperativas com seus cooperados, na forma do art. 79 da Lei 5.764, de 06 de dezembro de 1971 …(grifamos). Por sua vez o dispositivo citado no texto legal por último referido preceitua que se denominam atos cooperativos os praticados entre as cooperativas e seus associados. entre estes e aquelas e pelas cooperativas e seus cooperados, para a consecução dos objetivos sociais. O parágrafo único do próprio art. 79 justifica e reafirma, no nosso entendimento, a não submissão do ato cooperativo ao regime jurídico da Lei de Recuperação Judicial ao enfatizar que o ato cooperativo não implica operação de mercado, nem contrato de compra e venda de produto ou mercadoria. Essa passagem da norma confirma a excepcionalidade do ato cooperativo, no sentido de sua não abrangência pelo regime jurídico comum, em razão do seu caráter distintivo em relação às operações do mercado em geral, posto que oriundo de uma sociedade de pessoas, sem fins lucrativos e cujas sobras (“lucros”), são distribuídas entre os próprios cooperados na proporção de suas cotas-partes. E é em virtude dessas características, aliadas à sua natureza de instituição financeira em sentido amplo, que as cooperativas de crédito e os atos cooperativos por elas praticados, conforme legalmente definido, submetem-se a regime jurídico excepcional.

A propósito especificamente do ato cooperativo vale ressaltar que não obstante a literalidade e clareza dos textos legais antes referidos e que por isso não demandariam grande esforço hermenêutico, algumas decisões judiciais isoladas têm manifestado entendimento diverso. Esse equivocado posicionamento tenta buscar respaldo no fato de as cooperativas de crédito serem também instituições financeiras, desnaturando o ato cooperativo, o que não se sustenta.  Elucidando a questão e pacificando a discussão o STJ em ação relatada pelo Ministro Luis Felipe Salomão que, referindo-se à cobrança de juros e encargos pelas cooperativas de crédito, decidiu que essas circunstâncias, todavia, não desnaturam as peculiaridades inerentes à qualidade intrínseca originária dos atos praticados entre a sociedade cooperativa e os membros do seu quadro social, os chamados atos cooperativos (REsp. 11412/MG). Logo, as cooperativas de crédito quando viabilizam recursos aos seus cooperados, estando esse objetivo previsto em seu estatuto social, praticam atos cooperativos, uma vez que a lei não diferenciou o fornecimento de crédito do ato cooperativo. E se a lei não o fez é porque a instrumentalização financeira advinda da relação de cooperativa e cooperado é um ato cooperativo. Instâncias. Em recentíssima decisão de 01.03.2024, o TJSP, em linha com o posicionamento do STJ antes citado, entendeu que “ a configuração jurídica da cooperativa de crédito se coaduna, também, com a prática dos chamados atos cooperados, mesmo porque  que a cobrança de juros remuneratórios ou tarifas de serviços  serve para a manutenção do fornecimento dos serviços financeiros em maior quantidade, atingindo melhor o universo dos associados, maiores interessados no sucesso da cooperativa – Operação financeira realizada sem a desconfiguração de ato cooperado (…). (AI 2324622-36.2023.8.26.0000 – EMENTA)

Em conclusão pode-se afirmar que as cooperativas de crédito se submetem a regramento legal excepcional em relação às demais sociedades, inclusive no que se relaciona com os atos cooperativos celebrados com os seus cooperados, representados por obrigações e contratos e que, portanto, os respectivos créditos são extraconcursais e não se sujeitam às disposições da chamada Lei de Recuperação Judicial.