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6 de novembro de 2023

Saraiva, Renner, Marisa, Casas Bahia: o que todas essas empresas têm em comum ao fechar suas lojas no país

6Por Lara Sponchiado

A Saraiva anunciou, no dia 20 de setembro de 2023 (ESTADÃO, 2023) o fechamento de todas as suas lojas físicas no país. Não obstante, outras grandes empresas, como a Renner (CNN, 2023), Casas Bahia (GLOBO, 2023) e Marisa (PODER 360, 2023) estão aderindo à onda de reestruturação dos seus modelos de negócios, fechando inúmeros comércios distribuídos pelo Brasil. Neste cenário, diante do vasto quadro de funcionários que possuem, eventual demissão que se enquadre como coletiva precisa perpassar por diálogo com o Sindicato profissional, antes de ser efetivada, sob pena de nulidade. (SANTOS, 2021, p. 729)Por que isso? Porque caso inexista a tentativa da empresa de traçar estratégia para reduzir o impacto social na sociedade dessa dispensa em massa, o ato resilitório não produzirá seus efeitos, conforme julgamento do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário (RE) 999435, que fixou a seguinte tese: “A intervenção sindical prévia é exigência procedimental imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores, que não se confunde com autorização prévia por parte da entidade sindical, ou celebração de convenção o acordo coletivo” (STF, 2022).

Nessa esteira, o artigo 477-A, inserido pela Reforma Trabalhista, na Consolidação das Leis do Trabalho, que dispõe: “As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação.” deve ser observado com mais cautela após o referido julgamento.

Isso porque, a aludida rescisão em massa ao passo que não depende de autorização prévia do sindicato dos trabalhadores, bem como de norma coletiva, imprescinde de regra procedimental, qual seja, sentar-se à mesa de negociação para discutir com o sindicato dos empregados outras soluções e saídas menos drásticas e prejudiciais aos trabalhadores, ou, em última hipótese, medidas hábeis a minorar a repercussão da dispensa coletiva naquele local, região, setor.

A partir daí, é indispensável entender o que é a dispensa coletiva: fenômeno que atinge pluralidade de trabalhadores.

O Ministério Público do Trabalho através da Nota Técnica n° 7, de 11 de novembro de 2020, dissertou: “a dispensa coletiva não se confunde com a dispensa plúrima. A dispensa plúrima pressupõe extinções de contrato de trabalho com fundamento em motivos subjetivos, concretos, individualizados e/ou desconexos entre as situações dos trabalhadores dispensados. A dispensa coletiva se baseia em causas objetivas, únicas ou não, simultâneas ou sucessivas, de natureza técnica, econômica, organizacional, produtiva, mercadológica, estrutural, ou outras, que impactuam diversas relações individuais de trabalho, simultânea ou sucessivamente, num determinado período.” (CONALIS, 2020)

Em suma, a dispensa coletiva dependerá de um número considerável de trabalhadores demitidos, cuja quantidade não é regulada pela lei, mas pode ser aferida a partir do princípio da proporcionalidade e da legislação de outros países que se debruçam mais a fundo sobre o instituto. E, não obstante o aspecto quantitativo, a dispensa coletiva apenas se configurará se for originada a partir de fundamento objetivo, isto é, que não esteja relacionado a características pessoais do trabalhador, mas sim, atrelado à causa econômica, técnica, organizacional, de produção e análogas, tal como previsto, por exemplo na Recomendação sobre Rescisão do Contrato de Trabalho, 1982 (Nº 166) da OIT.

Logo, o caso concreto é que irá determinar se a dispensa em massa poderá ser considerada coletiva ou apenas plúrima.

Nos autos do processo n° 0010684-16.2018.5.15.0032, o Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região de Campinas/SP. esmiuçou, no caso concreto, os parâmetros para extrair a dispensa coletiva, bem como abordou a importância das tratativas prévias com o Sindicato antes de efetivação da dispensa em massa, veja:

DISPENSA COLETIVA. CARACTERIZAÇÃO. PRESSUPOSTOS. NÚMERO DE EMPREGADOS DISPENSADOS. (…). 2. O critério para a caracterização de dispensa coletiva não é propriamente o número de empregados dispensados, pois a legislação não definiu parâmetro quantitativo. Exige-se a presença de dois pressupostos, quais sejam: que a rescisão contratual ocorra de forma pluralizada e que seja decorrente de causa única e vinculadora, relacionada a uma necessidade da empresa e não à conduta do empregado. 3. A doutrina autorizada e a jurisprudência, à luz do direito comparado, apontam, como parâmetro a ser observado, o potencial de causar danos à comunidade. A apreciação deve ser feita com base no número de empregados que a empresa possui na unidade, de modo a aferir se a rescisão contratual coletiva será capaz de atingir as pessoas que vivem naquela comunidade, conceito ligado à autoidentificação dos indivíduos naquela localidade. (…). DISPENSA COLETIVA. AUSÊNCIA DE PRÉVIA NEGOCIAÇÃO COM O SINDICATO DA CATEGORIA. DANO À MORAL COLETIVA. 1. A jurisprudência da Seção de Dissídios Coletivos do C. TST RODC- 30900-12.2009.5.15.0000) firmou a premissa de que a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores, entre outros motivos porque tem o potencial de evitá-la ou atenuar seu impacto pela adoção de medidas mitigadoras como a suspensão dos contratos, com ou sem pagamento de salários; as férias coletivas; a redução de jornada e de salário; a criação de Programas de Demissão Voluntária (PDVs); o remanejamento de trabalhadores entre os estabelecimentos da empresa; a preservação do posto de trabalho para gestantes, pessoas com deficiência, idosos etc; e outras fórmulas instituídas pelas partes. 2. A dispensa coletiva sem prévia negociação com o sindicato da categoria implica ofensa injustificável à dignidade da pessoa humana (art. 1ª, III, CF), à valorização do trabalho e especialmente do emprego (arts. 1ª, IV, 6ª e 170, VIII, CF), à submissão da propriedade à sua função socioambiental (arts. 5º, XXIII e 170, III, CF) e à necessária intervenção sindical nas questões coletivas trabalhistas (art. 8ª, III e VI, CF), apenas para citar apenas os valores mais expressivos. Caracterizada, portanto, a lesão ao patrimônio imaterial coletivo consistente na violação de direitos da coletividade e na ofensa aos seus valores.” (TRT-15 – ROT: 0010684-16.2018.5.15.0032, Relator: JOAO BATISTA MARTINS CESAR, Seção de Dissídios Coletivos, Data de Publicação no D.E.J.T.: 06/10/2020)

Nesse julgado, a TAM Linhas Aéreas S/A. teria dispensado, entre setembro/2015 e outubro/2015, 44 de 144 funcionários da área de carregamento e descarregamento de bagagem e carga da unidade da empresa localizada no Aeroporto Internacional de Viracopos, com vistas a terceirizar o setor. No entanto, em virtude de a dispensa em massa ter sido efetivada sem o diálogo social com o Sindicato desses trabalhadores, o Ministério Público do Trabalho ajuizou ação civil pública, na qual o Judiciário reconheceu a abusividade das rescisões, por ofensa à dignidade da pessoa humana, motivo pelo qual estabeleceu condenação por dano moral coletivo de R$-500.000,00.

É imprescindível que essas empresas do varejo que estão fechando suas portas, por razões financeiras, por exemplo, como demais sociedades de outras áreas inclusive que planejam efetivar dispensa de conjunto de empregados e que tenha causa objetiva (motivo singular e comum a todos, não inerente à pessoa do trabalhador), analise primeiro se a rescisão se encaixa como dispensa coletiva, para, em seguida, seguir o procedimento regulado pelo Supremo Tribunal Federal, inclusive a fim de que não fiquem expostos a passivo trabalhista surpresa. Para tanto, é essencial consultoria jurídica qualificada, para que tudo pondere com amparo na legislação e na interpretação dos tribunais.

Diante dessas considerações, respondendo a dúvida que surgiu do leitor a partir do título do presente artigo, o que todas essas empresas têm em comum é que, ao se desfazerem de todo ou de parte do seu quadro funcional em virtude de necessidade empresarial de ordem econômica, estão sujeitas a análise da natureza da dispensa empregada, a respeito da qual, acaso enquadrada como coletiva e se efetivada sem o efetivo diálogo social, poderá ser considerada abusiva, e, dessa forma, fica sujeita à anulação pelo Judiciário Brasileiro, que pode obstar o fechamento do setor, inviabilizar coercitivamente o encerramento das atividades empresariais ou impor dano moral vultuoso, por exemplo.

Assim, é importante que antes de qualquer comunicação com o próprio sindicato profissional, a advocacia trabalhista preventiva seja contatada e colocada à par da pretensão do empregador.

 Bibliografia:
https://www.cnnbrasil.com.br/economia/renner-fecha-20-lojas-durante-o-1o-trimestre-em-meio-a-reducao-de-lucro/  Acesso em 21.09.2023
https://www.estadao.com.br/cultura/literatura/saraiva-demite-funcionarios-e-ultimas-lojas-da-rede-devem-ser-fechadas/ Acesso em 21.09.2023
https://g1.globo.com/economia/noticia/2023/08/10/empresa-dona-das-casas-bahia-anuncia-plano-com-fechamento-de-ate-100-lojas-e-corte-de-funcionarios.ghtml Acesso em 25.09.2023.
https://mpt.mp.br/pgt/noticias/notatecnica7conalisdispensacoletiva.pdf Acesso em 25.09.2023. Página 4.
https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15353488317&ext=.pdf Acesso em 25.09.2023.
SANTOS, Ronaldo Lima dos. Dispensa coletiva: parâmetros constitucionais e internacionais para a proteção social. In: Revista LTr: legislação do trabalho, v. 85, n. 6, p. 719-732, jun.