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6 de novembro de 2023

O Marco Temporal das Terras Indígenas e seus impactos no setor rural

Por: Viviane Fidelis

O Supremo Tribunal Federal rejeitou, no último dia 21 de setembro, por 9 votos a 2, a tese do marco temporal para a demarcação das terras indígenas. A decisão se deu em decorrência do julgamento do Tema de Repercussão Geral 1.031 (RE 1017365), sendo fixada a tese de repercussão geral apenas em 27 de setembro de 2023, no sentido de que a data da promulgação da Constituição Federal (05/10/1998) não pode ser utilizada para definir a ocupação tradicional da terra por essas comunidades.

Curiosamente, na mesma data em que foi fixada a tese de Repercussão Geral pelo Supremo Tribunal Federal (27/09/2023), que rejeitou a tese do marco temporal das terras indígenas, o Senado aprovou o Projeto de Lei – PL 2.903/2023, que altera amplamente a legislação relacionada aos direitos dos povos indígenas. Conforme texto aprovado pelo Senado e enviado para sanção presidencial, as terras indígenas que não tenham sido ocupadas tradicionalmente e de forma produtiva pelos povos originários deixam de ser consideradas como demarcadas.

Nesse sentido, compete destacar que o Marco Temporal consiste em tese jurídica, por meio da qual se defende que os indígenas têm direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou que já disputavam na data em que foi promulgada a Constituição Federal de 1988, ou seja, até 05 de outubro de 1988.

Para contextualizar a tese, é importante esclarecer que os debates na Constituinte e a evolução dos dispositivos que originaram os artigos 231 da Constituição Federal – CF/88 e 67 e 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, reforçam a tese de que o objetivo do constituinte originário era o de que fossem demarcadas as terras que estivessem ocupadas em 1988. Destaca-se aqui que o constituinte chegou a estabelecer o prazo de 5 anos para que a União efetuasse a demarcação das terras ocupadas pelos indígenas, ou seja, a tese jurídica do Marco Temporal ampara-se pura e simplesmente no texto constitucional.

Há de se ressaltar que a derrubada do Marco Temporal coloca em risco a segurança jurídica em âmbito nacional, frisando-se aqui o entendimento do Ministro Nunes Marques, exprimido em seu voto no julgamento do RE 1017365 “uma teoria que defenda os limites das terras a um processo permanente de recuperação de posse em razão de um esbulho ancestral naturalmente abre espaço para conflitos de toda a ordem, sem que haja horizonte de pacificação.”

O julgamento de Repercussão Geral foi concluído mesmo mediante protestos do Governador do Estado de Mato Grosso, Mauro Mendes, que por meio de petição requereu a suspensão do julgamento sobre o Marco Temporal até que o Senado Federal no cumprimento de suas atribuições legislasse sobre o tema via projeto de lei, sendo, porém, tal pedido ignorado pela Corte Suprema.

O ativismo do Supremo Tribunal Federal, além de esvaziar de certa forma a solução proposta de forma legítima pelo Senado Federal no PL nº 2.903/2023, também desencadeou ações do Poder Executivo, que recentemente editou o Decreto nº 11.702/2023, que instituiu o “Comitê Interministerial de Desintrusão de Terras Indígenas”. Isso de certa forma representa uma medida preparatória para a aplicação da tese fixada pela Suprema Corte, colocando os produtores rurais em estado de alerta.

Caso seja mantida a derrubada do Marco Temporal, o percentual do território brasileiro a ser considerado como terra indígena aumentará de 14,1% para 27%, conforme dados da Frente Parlamentar da Agropecuária – FPA, obtidos por meio de estudo do Instituto Pensar Agropecuária – IPA. Isso resultará no cancelamento dos títulos de propriedade de diversas famílias que vivem da atividade agropecuária, sendo possivelmente observado o direito à indenização pela terra perdida.

O país ficará em estado constante de insegurança jurídica no que tange ao direito de propriedade. Além disso, já foi estimado que, ao menos no Estado de Mato Grosso, aproximadamente 1,5 milhão de empregos serão perdidos e haverá prejuízo de mais de 364 bilhões de reais em decorrência da diminuição da produção agrícola, o que ocasionará o aumento do preço dos alimentos, bem como a perda de 42,7 bilhões de dólares em exportações agrícolas.

Fontes:
https://www.pensaragro.org.br/oja/questao-indigena/
https://www.secom.mt.gov.br/w/governador-mauro-mendes-pede-suspensão-do-julgamento-do-marco-temporal