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6 de novembro de 2023

Dicas para não se equivocar na aplicação de justa causa

Por Lara Sponchiado, Jader Solano Neme e Juliana Garcia de Tolvo Zamoner

O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região divulgou a seguinte notícia em seu sítio eletrônico na última terça-feira (29): “Trabalhador é dispensado por justa causa após furtar latas de refrigerante”, relatando a sentença da 55ª Vara do Trabalho de São Paulo que manteve a aplicação de justa causa ao reclamante que retirou o enforca-gato do cooler onde estavam as latas de refrigerante de propriedade da empregadora, surrupiou cinco latas para consumo próprio com ajuda de outro colega de trabalho e recolocou outro lacre.No caso, o autor pleiteava a reversão da dispensa para sem justa causa, com base no ínfimo valor das bebidas (princípio da bagatela). Entretanto, provado o furto pela empregadora, o magistrado entendeu que: “a configuração do ato de improbidade não depende do valor econômico do objeto da conduta do autor, mas, sim, da própria atitude maliciosa do autor de obter vantagem para si, o que impossibilita a continuidade da relação empregatícia – art. 482, a da CLT.”

Posto o exemplo, o presente artigo se propõe a estabelecer algumas diretrizes, sem, contudo, esgotá-las, para que o empregador não fique desnorteado juridicamente quanto ao seu poder disciplinar quando tomar conhecimento de descumprimento pelo trabalhador de obrigação legal diretamente relacionada ao vínculo de emprego ou contratual, uma vez que, frequentemente surge a dúvida se a justa causa aplicada será aceita pelo juiz ou não.

Para o Direito do Trabalho, o trabalhador é a parte hipossuficiente da relação de emprego, razão pela qual, ele o protege por meio de princípios, como por exemplo, o da continuidade da relação de emprego.

Segundo essa norma, presume-se, em favor do operário, que o seu contrato de trabalho será contínuo. Em virtude disso, cabe ao empregador, quando der fim à relação de emprego por justa causa, provar a falta grave do trabalhador que ensejou a ruptura abrupta.

A Súmula n° 212, do Tribunal Superior do Trabalho, demonstra que não é mera faculdade do empregador comprovar o ato faltoso, veja:

SÚMULA Nº 212 – DESPEDIMENTO. ÔNUS DA PROVA
O ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado.
Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003

Logo, a partir desse comando, é indispensável que o empregador observe alguns cuidados antes de aplicar a justa causa, já que a prova competirá a ele em eventual ação trabalhista movido pelo trabalhador, quais sejam:

  • Investigar o ocorrido: é importante apurar os fatos antes de tomar qualquer decisão. As perguntas “quem fez?”, “o que fez?”, “como fez” são essenciais para nortear a averiguação, que, muitas vezes não se esgota nisso. É importante alertar que esse procedimento precisa ocorrer em tempo razoável, sob pena de a ausência de imediata punição impor a presunção de que houve o perdão do empregador à falta grave do trabalhador. Assim, as circunstâncias do caso concreto é que irão determinar a razoabilidade entre a ciência do fato e a aplicação da justa causa quando cabível;
  • Verificar se a falta tem previsão legal: para aplicar a justa causa, é preciso que haja a previsão legal de que a ação praticada pelo trabalhador constitui falta grave hábil a justificar essa medida disciplinar. Para tanto, o artigo 482, da Consolidação das Leis do Trabalho, lista inúmeras situações que ensejam a sanção. Ocorre que, as hipóteses não se esgotam nesse dispositivo, existem outros na própria CLT, bem como na legislação esparsa. Portanto, o ideal é a consulta prévia do ordenamento jurídico;
  • Avaliar a gravidade da falta: é essencial ponderar se a confiança foi rompida a partir da falta, na medida em que, se a conduta não tornar insustentável a continuidade da relação de emprego, observando a adequação e a proporcionalidade, é aconselhável optar pela gradação pedagógica, isto é, preferir advertência verbal reduzida a termo ou, em casos mais graves, porém, não a ponto de ser aplicada a justa causa, a suspensão. Nesse ponto, para dosagem da pena, os magistrados tendem a colocar “na balança”: fato, tempo de duração do contrato de trabalho e o comportamento do trabalhador no curso do vínculo de emprego;
  • Munir-se provas: investigado o fato, realizado o cotejo com a lei e decidindo-se pelo encerramento da relação de emprego, é necessário proteger-se com acervo de provas: ouvir outros trabalhadores que presenciaram o ocorrido, documentar, guardar filmagens que ilustram os fatos. Nesse momento, o caso concreto é que vai definir com o que o empregador vai se aparelhar. Por exemplo, nos autos do processo n° 0011607-89.2019.5.15.0005, a sentença reverteu a justa causa porque a empresa não fez prova robusta a respeito das ofensas físicas mútuas dos trabalhadores (art. 482, “j”, da CLT), sendo que, o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região – Campinas/SP. manteve a decisão de 1° grau. Portanto, é imprescindível resguardar-se com prova inequívoca de que houve o ato violador de obrigação legal ou contratual, uma vez que, caso o trabalhador ajuíze reclamação trabalhista, a justa causa precisará ser comprovada satisfatoriamente em Juízo.

Diante do exposto, é aconselhável observar essas orientações quando cogitar a aplicação de pena máxima, a fim de reduzir os riscos da reversão da dispensa motivada, sem prejuízo de buscar mais orientações jurídicas, tendo em vista que o caso concreto pode demandar diversas peculiaridades. Do contrário, as chances de a sanção ser revertida para dispensa sem justa causa aumentam, e, sendo considerada que a situação não era hipótese que demandava a penalidade máxima, o empregador terá que arcar com o pagamento das verbas inerentes à rescisão imotivada, além de eventual multa ou dano moral quando pleiteados e restar provado algum dano à imagem do trabalhador por exemplo, em virtude de eventual visibilidade da forma como foi encerrado o vínculo de emprego.

Fonte:
SILVA, Fabrício Lima. PINHEIRO, Iuri. Bomfim, Vólia. Manual do Compliance Trabalhista: teoria e prática. 3. ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Editora JusPodivm, 2022, p. 588 e 592.
Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, Disponível em: https://pje.trt2.jus.br/consultaprocessual/detalhe-processo/1001189-76.2022.5.02.0702/2#a883a5e  Acesso em 30.08.2023.
Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Regiao, Disponível em: https://trt15.jus.br/noticia/2022/3a-camara-reverte-justa-causa-de-trabalhador-que-agiu-em-legitima-defesa Acesso em 30.08.2023.