NOTÍCIAS

31 de outubro de 2023

A Retirada do Sócio e a Responsabilidade Trabalhista que o Acompanha

Por: Jader Solano Neme e Lara Sponchiado
A Constituição Federal Brasileira de 1988 determina que “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;”, conforme regula o artigo 5°, inciso XX. Sendo que, no campo das relações empresariais, isso não poderia ser diferente. Dessa forma, o artigo 1.029, do Código Civil, possibilita a retirada de sócio, desde que respeitadas as formalidades legais. Ocorre que, sob o viés do Direito Trabalhista, a retirada do sócio não o exime automaticamente das obrigações juslaborais em relação ao quadro de empregados que o pertencia.Isso porque, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece em seu dispositivo 10-A que: “O sócio retirante responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas da sociedade relativas ao período em que figurou como sócio, somente em ações ajuizadas até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, observada a seguinte ordem de preferência: I – a empresa devedora; II – os sócios atuais; e III – os sócios retirantes.”

Ou seja, o sócio retirante permanecerá responsável subsidiário pelas obrigações trabalhistas da sociedade relativas ao período em que figurou como sócio, caso o trabalhador ajuíze reclamação trabalhista dentro do prazo de dois anos contados a partir da averbação da retirada da sociedade no Contrato Social.

Entretanto, sem prejuízo do critério bienal, estabelecido pelo artigo 10-A, da CLT, o direcionamento da execução deverá respeitar a subsidiariedade, ou seja, a sequência discriminada no artigo, razão pela qual o sócio retirante pode ser acionado para quitar eventuais direitos trabalhistas reconhecidos perante a Justiça do Trabalho, caso a empregadora (empresa devedora) e os sócios atuais não liquidem a dívida, uma vez que a execução deve observar, primeiro, o patrimônio desses.

À liça desses esclarecimentos, nessas situações em que o trabalhador busca sua última alternativa, quem seja, o sócio retirante, o empresário pode ser surpreendido em arcar com o pagamento do débito trabalhista 5 anos depois da sua saída da sociedade, por exemplo, uma vez que a baliza definidora de sua responsabilidade consiste na data da distribuição da ação e não na data de inclusão do sócio retirante no polo passivo da execução.

Cumpre fazer essa diferenciação, uma vez que há Reclamantes que incluem o sócio retirante como Reclamado, desde o início da Reclamação Trabalhista, porém, há trabalhadores que apenas solicitam a inclusão do sócio retirante depois da decisão condenatória de que não cabe mais recurso, quando já foram esgotados todos os meios de defesa e executórios em face da empresa devedora e dos sócios atuais dela, e, os bens desses não foram capazes de saldar a dívida trabalhista, sendo que, até chegar à fase de execução, pode ser que demorem anos, e, dessa forma, o sócio retirante se espante com notificação trabalhista o investindo como executado na ação, após bastante tempo de sua retirada da sociedade.

Ainda, é digno de nota que, nos casos em que restar comprovada fraude na alteração societária decorrente da modificação do contrato, a responsabilidade do sócio retirante deixa de ser subsidiária e passa a ser solidária, isto é, não mais será observada a ordem de preferência e, dessa forma, o sócio retirante pode ser executado ao mesmo tempo em que a empresa devedora e os sócios atuais.

Ante o exposto, não há margem à dúvida de que o objetivo é proteger a vulnerabilidade do trabalhador, a respeito do qual, o Direito do Trabalho entende que não pode ser prejudicado frente às alterações societárias, razão pela qual, não apenas no caso de retirada, como também, nos casos de exclusão e morte, o sócio ou herdeiro(s) também pode(m) ser responsabilizado(s), seguindo essa mesma sistemática, com fulcro nos artigos 10, da Consolidação das Leis do Trabalho, cumulado com o artigo 1.032, do Código Civil.

Por outro lado, o prazo de dois anos para o ajuizamento da reclamação trabalhista, contados a partir da averbação da modificação societária no Contrato Social, é estabelecido a fim de que exista certa segurança jurídica para o sócio retirante, o qual apenas poderá ser cogitado depois de observado o critério temporal.

De qualquer forma, é indispensável que a retirada do sócio, com urgência, seja averbada na Junta Comercial ou órgão correlato, de modo a tornar público o fato de que o sujeito não mais compõe o quadro societário da empresa, impedindo que se elasteça a sua responsabilidade perante os trabalhadores.

Não obstante, tão importante quanto aludida averbação é a alegação dessa saída da sociedade na primeira manifestação em que o sócio retirante tiver para falar nos autos, a fim de que o acolhimento das razões de defesa seja ainda mais garantido.

No mesmo sentido, a decisão dos autos do processo n° 1000349-80.2016.5.02.0442, no Agravo de Petição, de Relatoria do Desembargador Paulo Kim Barbosa, publicada em 07/12/2022:

“O art. 10-A da CLT contém previsão expressa de que o sócio retirante (ex-sócio) responderá subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas da sociedade, relativas ao período em que era sócio e apenas em reclamações trabalhistas ajuizadas até dois anos depois de averbada a modificação do contrato. A responsabilidade subsidiária do sócio há de ter um limite temporal para sua concretização, conforme comandos legislativos, não podendo ser eterna, para que não se fira o princípio da segurança jurídica. Recurso provido.”

Dessa forma, é possível concluir que o próprio ordenamento jurídico orienta que a garantia do crédito alimentar não ocorra a qualquer custo, porém, desde que, seja respeitado o brocardo jurídico “Dormientibus non sucurrit jus”, isto é, “o direito não socorre aos que dormem”, razão pela qual, para que as alegações não ocorram a destempo e o ex-sócio não se veja obrigado a arcar com dívida trabalhista que sequer deveria estar vinculado, é essencial que, desde a retirada, o sócio retirante se encontre amparado por banca de advogados competente, tanto para orientá-lo, quanto para, se for o caso, posteriormente, pesquisar bens da empresa devedora ou sócios atuais, inclusive com possibilidade de ação de regresso, a fim de não haja a “terceirização” da dívida que, inicialmente, competiria a estes e não àquele.