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31 de outubro de 2023

A herança do produtor no pós-incêndio

Passada a estiagem prolongada e anormal que assolou grande parte do país, sobretudo nossa região, principalmente nos meses de junho a setembro, restou aos produtores rurais a herança deixada pelos incêndios que, em quase sua totalidade, são de origem desconhecida ou criminosa, não guardando relação alguma com o produtor, nem por ação nem por omissão, ou seja, sem nexo causal.

A herança que me refiro é de péssimo gosto e dói no bolso do produtor rural, pois este, a depender de certos critérios e levando-se em consideração o que o fogo danificou, se torna responsável legal pelo incêndio, pelas multas, autos de infração, reparação do dano e ainda pode ser imputado na esfera criminal, tendo seu nome, que tanto preza e valoriza, jogado no rol dos culpados.

Esse incêndio pode ter vindo do vizinho por diversos motivos acidentais ou intencionais, da margem da rodovia onde a concessionária abandonou sua faixa de domínio e deixou o capim invasor tomar conta, da beira do rio lindeiro onde pescadores e caçadores acenderam uma fogueira de forma descuidada ou até mesmo ter sido provocado por criminosos que atearam fogo intencionalmente. Mesmo diante destas possibilidades, a depender de alguns critérios estipulados em legislação, o produtor atingido pode ser responsabilizado em todas as esferas acima citadas.

Apesar do avanço e desenvolvimento da legislação ambiental nesse sentido, levando-se em consideração o fogo em cana-de-açúcar, o produtor, muitas vezes, atinge a pontuação exigida na Portaria nº 16 da Coordenadoria de Fiscalização e Biodiversidade – CFB e a penalidade não é aplicada. Porém, quando se trata de incêndio em vegetação nativa, o proprietário do imóvel simplesmente é considerado responsável, sendo multado e acusado em processos judiciais cíveis e criminais, o que é uma injustiça, haja vista que não é aceitável uma pessoa em sã consciência atear fogo na “própria casa”. Este pobre infeliz produtor rural somente escapará disso se o incendiário for identificado, pego e preso em flagrante delito, o que raramente acontece.

Passado o susto do incêndio e a correria para apagá-lo com rapidez para que ele não queime a vegetação nativa, sede, maquinários e produção – o que traz grandes prejuízos econômicos ao produtor rural –, vem a pergunta: “O que faço agora? Posso ser responsabilizado por esse incêndio?”

Vale a pena ressaltar que caso o incêndio venha a atingir a vegetação nativa, o produtor é penalizado com multas por hectare queimado, e o que chama a atenção é que quanto mais o produtor preserva a vegetação, ou seja, quanto mais avançado o nível de desenvolvimento (estágio sucessional) daquela área, maior o valor da multa, que pode variar de R$ 7.500,00 (estágio pioneiro) a R$ 75.000,00 (estágio avançado).

Aí se inicia a nova etapa de preocupações e incertezas que se consolidam com a visita do órgão fiscalizador no imóvel para verificar o ocorrido. Quando estes chegam nunca se sabe e a dúvida paira no ar: “Serei multado? Mas não tive relação alguma com o incêndio! É injusto!”

Terminada a vistoria, vamos supor que o produtor atinja a pontuação da retrocitada Portaria nº 16 e este não é multado pelo fogo que afetou a cana, mas vem o auto de infração do fogo que acometeu a vegetação nativa e o proprietário foi multado pelo incêndio do qual ele se sacrificou para combater, que trouxe prejuízos para a cana-de-açúcar e a vegetação nativa, e sequer sabe de onde veio e por qual  motivo, etc. Basta a ele agora procurar um profissional capacitado para orientá-lo, um advogado, um engenheiro-agrônomo, etc..

Recebe as orientações dos profissionais contratados a duros custos, já que também terá de arcar com o valor das multas – são nessas horas que se dá valor às associações de classe que, por uma taxa simbólica, oferece toda a assistência técnica a ele – e é instruído sobre como agir, o que fazer e o que virá a acontecer no atendimento ambiental que se aproxima.

O produtor fica aflito, faz contas e mais contas, perde noites de sono pensando neste dia até que finalmente ele chega. Munido de seus documentos pessoais e de todas as incertezas do mundo, vai ao atendimento junto com os profissionais que lhe auxiliam.

Lá, aponta que desconhece a origem do incêndio, mostra as fotos que comprovam o seu incessante combate às chamas, os danos que o infortúnio lhe trouxeram, demonstra que não possui nenhuma condição financeira para pagar as multas, pois é um pequeno produtor rural que luta para sobreviver e suplica pelo cancelamento dos autos de infração e, nesse momento, recebe um sonoro não, seguido de uma dura e seca frase “é a lei, não temos o que fazer”.

Também é orientado a fazer um acordo com o órgão ambiental para assim garantir os descontos existentes na legislação, pois é o cenário menos catastrófico que lhe aguarda, ou entrar com recurso, que raramente é analisado como deveria. Em seu âmago, o produtor aceita o acordo, mas contrariado, pois não acha certo “pagar” por algo que não fez.

Então, prefere tal caminho a ir ao Judiciário, vez que lá reina o mar das incertezas, subjetividades e longos anos de espera, até mesmo para evitar ter que despender o dinheiro relativo ao valor total da multa para poder discutir a sua validade e, consequentemente, provar sua “inocência”.

Além da multa, existe a necessidade de reparação do dano. Mas como assim? “Eu preciso recuperar a área de um incêndio que não tive culpa?”, indaga o produtor. Sim! O proprietário é responsável pela reparação do dano ambiental, no caso de vegetação nativa, devendo conduzir a regeneração natural ou então realizar um plantio com mudas de espécies nativas, gerando mais custos a sua combalida condição financeira.

A situação é muito injusta e só quem acompanha o dia a dia dos produtores rurais pode constatar que eles estão preocupados em alimentar não só o país, mas o mundo, sabe os esforços que estes fazem para realizar o combate aos incêndios em suas propriedades rurais, mormente os canavieiros paulistas. Mas com condições climáticas desfavoráveis como temperatura, umidade relativa do ar e vento, aliado ao descaso do resto da população que insiste em “brincar com fogo” em locais rurais de risco, torna-se quase impossível debelar as chamas, no entanto, o setor produtivo rural não desiste e tenta se estruturar para prevenir e combater os incêndios a cada ano que passa.

Enfim, este é um breve relato de profissionais sobre o que cotidianamente os produtores rurais enfrentam perante as leis e a cultura de nosso país, ficando aqui a mensagem desses que vos escrevem e os acompanham, dia após dia, durante o ano todo: não desistam, não esmoreçam, a agricultura não pode parar, enfim, a demanda por alimentos só aumenta e esse fluxo não irá diminuir. Vamos adiante!

Dr. Diego Rossaneis
Advogado

Fábio Soldera
Engenheiro-Agrônomo