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ITCMD sobre Doações do Exterior: STF Mantém Inexigibilidade
Por: Julia Ceregato Zucoloto
A recente Reforma Tributária, promulgada através da Emenda Constitucional nº 132/2023, gerou a expectativa no meio empresarial e jurídico de que estaria, enfim, solucionada a longa controvérsia sobre a cobrança do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) em operações envolvendo doadores ou patrimônio no exterior.
Contudo, uma decisão crucial do Supremo Tribunal Federal (STF), proferida recentemente no Recurso Extraordinário (RE) nº 1.553.620/SP, joga luz sobre a complexidade da questão e reafirma: a mera autorização constitucional não é suficiente para a cobrança do imposto, criando um vácuo legislativo no Estado de São Paulo com implicações diretas para o caixa das empresas e o planejamento patrimonial de seus sócios.
Neste artigo, analisaremos os fundamentos da decisão da Ministra Cármen Lúcia e suas consequências práticas, apontando os riscos e as oportunidades que se desenham neste novo cenário.
O Cenário Anterior: A Inconstitucionalidade da Cobrança pelos Estados
Para compreender a relevância da nova decisão, é imperativo revisitar o histórico da controvérsia. A Constituição Federal, em seu artigo 155, § 1º, inciso III, sempre determinou que a competência para instituir o ITCMD sobre doações e heranças com elementos de conexão com o exterior (doador residente fora, bens no exterior, etc.) deveria ser regulada por uma Lei Complementar federal.
Diante da inércia do Congresso Nacional em editar tal norma, diversos Estados, inclusive São Paulo por meio da Lei nº 10.705/2000, instituíram a cobrança por meio de leis ordinárias estaduais.
Essa prática foi levada ao STF, que, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 851.108 (Tema 825 da Repercussão Geral), fixou a tese de que “é vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional”.
Para o Estado de São Paulo, o golpe de misericórdia veio com a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 6.830/SP, que declarou formalmente inconstitucional o artigo 4º da Lei paulista nº 10.705/2000, dispositivo que fundamentava a cobrança do imposto nessas operações. A lei paulista, para todos os efeitos, foi expurgada do ordenamento jurídico.
A Reforma Tributária e a Expectativa de Repristinação
A Emenda Constitucional nº 132/2023 buscou resolver o citado impasse. Em seu artigo 16, estabeleceu regras de transição para definir a competência dos Estados para a cobrança do ITCMD até que a referida Lei Complementar seja finalmente editada.
A norma transitória define, por exemplo, que no caso de doador com domicílio no exterior e donatário domiciliado no Brasil, o imposto competirá ao Estado de domicílio do donatário.
Com base nesse dispositivo, a Fazenda do Estado de São Paulo passou a defender que sua competência para tributar havia sido restabelecida, tornando o imposto exigível para os fatos geradores ocorridos a partir da vigência da Emenda. Foi exatamente essa a tese levada ao STF no RE 1.553.620.
A Análise do STF: Competência Constitucional Não “Ressuscita” Lei Inexistente
A decisão da Ministra Cármen Lúcia, Relatora do caso, negou provimento ao recurso do Estado de São Paulo com base em um pilar fundamental do Direito Tributário: o princípio da estrita legalidade.
O raciocínio do Supremo é direto e tecnicamente impecável.
A Emenda Constitucional nº 132/2023 outorgou aos Estados a competência para tributar, ou seja, a permissão constitucional para legislar sobre o tema e instituir a cobrança. Contudo, ela não criou o tributo em si.
Para que um imposto seja exigível, é necessária a existência de uma lei em sentido estrito (no caso, uma lei estadual) que defina todos os elementos da obrigação tributária: fato gerador, base de cálculo, alíquota e contribuintes.
Ocorre que a lei paulista que fazia esse papel, a Lei nº 10.705/2000, foi declarada inconstitucional pelo próprio STF (na ADI 6.830). Como bem pontuou o acórdão recorrido do Tribunal de Justiça de São Paulo, e agora confirmado pelo STF, a norma paulista foi declarada inválida em data anterior à vigência da Emenda Constitucional.
Portanto, no momento em que a EC 132/2023 entrou em vigor, simplesmente não havia “norma paulista vigente para amparar a pretensão tributária”.
Em outras palavras, a Emenda Constitucional não possui o poder de “ressuscitar” uma lei que já foi declarada morta pelo Poder Judiciário.
Implicações Estratégicas: Riscos e Oportunidades
Esta decisão do STF tem consequências imediatas e relevantes para o ambiente de negócios:
- Risco de Pagamento Indevido: Empresas e pessoas físicas no Estado de São Paulo que, porventura, tenham recolhido o ITCMD sobre doações recebidas do exterior após a promulgação da EC 132/2023, podem ter efetuado um pagamento indevido. A recuperação desses valores é uma possibilidade concreta, mediante a adoção das medidas judiciais cabíveis.
- Janela de Oportunidade para Planejamento: A decisão confirma a existência de uma janela temporal para a realização de operações sem a incidência do ITCMD em São Paulo. Reorganizações societárias, aportes de capital por investidores estrangeiros, planejamento sucessório e patrimonial que envolvam a transferência de ativos do exterior podem ser estruturados de forma a aproveitar este vácuo legislativo.
- Atenção Legislativa Constante: Este cenário é temporário. É altamente provável que a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo atue para aprovar uma nova lei, agora sob a égide da competência conferida pela EC 132/2023, para instituir a cobrança. O monitoramento proativo do processo legislativo estadual torna-se, portanto, uma ferramenta de inteligência estratégica indispensável.
Conclusão
A decisão do STF no RE 1.553.620 é um lembrete inequívoco de que o sistema tributário brasileiro opera em múltiplas camadas. Mudanças constitucionais, por mais relevantes que sejam, não produzem efeitos de forma isolada e dependem da correta e tempestiva atuação dos entes federativos.
Para o contribuinte paulista, a mensagem é clara: o ITCMD sobre doações e heranças do exterior permanece inexigível, até que uma nova e válida lei estadual seja editada.
Diante da complexidade do tema e de seus múltiplos desdobramentos, que variam conforme a natureza da operação e a legislação dos demais Estados, recomendamos uma análise pormenorizada da situação fiscal de cada empresa. Nossa equipe de especialistas está à disposição para avaliar os impactos específicos desta decisão e desenhar a estratégia mais segura e eficiente para suas operações.