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Fraude à Execução e a Relatividade da Proteção ao Bem de Família
Por: Guilherme Felipe
O Tribunal de Justiça de São Paulo recentemente julgou um caso envolvendo a discussão sobre fraude à execução e a proteção do bem de família, consolidando importantes parâmetros interpretativos para esses institutos. No processo em questão, houve o ajuizamento de uma ação executiva em face do devedor, que, após a citação, transferiu a propriedade de sua meação de um imóvel para seus filhos, o que motivou a penhora judicial desse bem em um momento posterior.
Os proprietários do imóvel embargaram a penhora, defendendo que ele se trata de um bem de família, protegido pela Lei nº 8.009/90, que garante a impenhorabilidade de bens destinados à moradia familiar. Alegaram que a transferência ocorreu legitimamente, como parte de um acordo de divórcio, e que o imóvel é utilizado exclusivamente como residência desde 2015. Esse argumento visava caracterizar a boa-fé na doação e afastar qualquer indício de fraude.
O Tribunal, entretanto, rejeitou os embargos, mantendo a constrição judicial sobre o imóvel. O fundamento principal da decisão foi a configuração de fraude à execução, conforme previsto no art. 792, inciso IV, do Código de Processo Civil. Ficou demonstrado que a transferência ocorreu após a citação do devedor no processo de execução, de modo que a alienação visava a elidir a responsabilidade patrimonial e evitar a expropriação do bem, favorecendo assim os herdeiros em detrimento dos direitos dos credores. Diante disso, o Tribunal considerou que, em casos de transferência entre parentes, como de ascendente para descendente, a boa-fé não pode ser presumida. Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que afasta a presunção de boa-fé em tais situações, foi fundamental para consolidar o entendimento aplicado.
A decisão também ressaltou que a Lei nº 8.009/90, embora proteja a impenhorabilidade do bem de família, não é absoluta, especialmente quando a transferência de bens entre parentes revela clara intenção de blindagem patrimonial. Dessa forma, ao avaliar a situação concreta, o Tribunal concluiu que o ato de alienação não poderia se beneficiar dessa proteção legal, uma vez que a finalidade era evitar a satisfação de uma dívida, caracterizando má-fé.Esse julgamento reflete uma interpretação rígida quanto à blindagem patrimonial e mostra que a proteção do bem de família, embora seja uma importante garantia para a moradia, não pode ser invocada de forma abusiva em prejuízo de credores legítimos. Em síntese, o Tribunal de Justiça de São Paulo aplicou rigorosamente o princípio da responsabilidade patrimonial, ressaltando que a fraude à execução, identificada a partir do momento da citação, torna a alienação ineficaz perante credores, reforçando assim a efetividade do processo executivo e o direito dos credores ao recebimento dos seus créditos.
(FONTE: TJSP; Apelação Cível 1024751-59.2022.8.26.0100; Relator (a): Ana Luiza Villa Nova; Órgão Julgador: 25ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 20ª Vara Cível; Data do Julgamento: 04/11/2024; Data de Registro: 04/11/2024).