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Incêndio em cana-de-açúcar e vegetação nativa: responsabilidades e posicionamento STJ
Nas últimas semanas o assunto que tem circulado nos noticiários e vivenciado pela população paulista é apenas um, incêndios. Esses incêndios atingiram plantações (maior parte cana-de-açúcar), vegetação nativa, áreas de preservação permanente, reservas legais, empreendimentos agrícolas, etc., causando severos prejuízos para a fauna, flora e para a população em geral.
Diante da verdadeira catástrofe que estamos vivendo, uma pergunta feita com frequência pelos produtores rurais vítimas desses incêndios é: serei punido e processado por conta disso?
Antes de respondermos à essa pergunta, importante delimitar que o presente artigo se limitará em utilizar as legislações hoje (12/09/2024) vigentes e o entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema. Há rumores e movimentações legislativas pelo Governo Paulista, na tentativa de trazer segurança jurídica aos atingidos para que não sejam punidos pelas autoridades, contudo, até a presente data, nada oficial foi divulgado.
Pois bem, vamos à resposta.
Todo dano ambiental, uma vez ocorrido, gera responsabilidades jurídicas em três esferas do direito: i) administrativa; ii) civil e iii) criminal.
Em linhas gerais, a esfera administrativa é a primeira e é marcada pela lavratura do auto de infração, onde a autoridade fiscalizadora após identificar um dano ambiental, busca tipificá-lo e autuar o responsável, atribuindo-lhe as penalidades previstas na legislação de regência que, no Estado de São Paulo, é a Resolução SIMA 05/2021, além de atribuir responsabilidades quanto à reparação do dano.
Na esfera civil, marcada pelo inquérito civil e posterior ação civil pública, é onde se busca, majoritariamente, a reparação do dano ambiental, caso esse não tenha sido resolvido na esfera administrativa com a celebração de TCRA – Termo de Compromisso de Recuperação Ambiental junto aos órgãos competentes. Também há possibilidade de discussão de multas e indenizações por danos morais coletivos, dentre outros.
Por último, na esfera criminal, marcada pelo inquérito policial e posterior ação penal, é buscada tipificação na Lei nº 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais), pois a conduta infracional ao meio ambiente também configura crime. Existindo processo criminal, o mesmo segue o andamento tradicional, havendo direito ao Réu de celebração de acordo de transação penal, sursis, substituição por penas alternativas, etc, pois, em sua grande maioria, crimes ambientais são de menor potencial ofensivo.
Acontece que, para o desenrolar de todo esse procedimento e responsabilizações nas três diferentes esferas, as autoridades fiscalizadoras devem ter elementos para justificar a lavratura de auto de infração e a instauração de inquéritos civis e criminais. As autoridades devem comprovar a responsabilidade, por ação ou omissão, daquele que se pretende punir.
No direito ambiental, temos basicamente dois tipos de responsabilidade: i) objetiva e ii) subjetiva. A responsabilidade objetiva é aquela que independe da comprovação de dolo ou culpa daquele que se pretende punir. Por sua vez, a responsabilidade subjetiva é o inverso, para se punir deve ser comprovada a existência de dolo ou culpa.
Nas questões administrativas ambientais, por vários anos imperou o entendimento da responsabilidade objetiva, onde, para se punir o proprietário, possuidor ou responsável a qualquer título, não era necessária comprovação de dolo ou culpa. Daí se enraizou o jargão “o proprietário é sempre responsável”.
Acontece que em 2019, quando do julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 1.318.051 – RJ (2012/0070152-3), pautado num entendimento advindo do Recurso Especial nº 1.251.697 – PR (2011/0096983-6), esse datado de 2012, ambos de relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques, o STJ definiu que:
“A responsabilidade civil ambiental é objetiva; porém, tratando-se de responsabilidade administrativa ambiental, o terceiro, proprietário da carga, por não ser o efetivo causador do dano ambiental, responde subjetivamente pela degradação ambiental causada pelo transportador”.
Pois bem, após 2019 consolidou-se o entendimento no STJ que a responsabilidade ambiental administrativa, é subjetiva. Ou seja, para se lavrar auto de infração, a autoridade fiscalizadora deve comprovar que a conduta foi cometida por aquele que se pretende punir, além da comprovação clara do nexo de causalidade, por ação ou omissão, que o vincule ao dano ambiental.
Da mesma forma é a responsabilidade ambiental criminal que segue a teoria da culpabilidade, onde apenas é possível punir alguém por um crime, se comprovada a pessoalidade – a pessoa que se pretende punir foi a autora do crime – e a responsabilização subjetiva – comprovando, por dolo ou culpa, atitude comissiva ou omissiva que aquela pessoa é quem causou o crime.
Exceção a essa regra é a responsabilidade ambiental civil que versará sobre a reparação do dano. Essa segue a teoria da responsabilidade objetiva, ou seja, independentemente da existência de dolo ou culpa e de nexo de causalidade, o proprietário ou possuidor a qualquer título, será obrigado a reparar o dano. Essa responsabilidade ainda é propter rem, ou seja, inerente ao imóvel, podendo ser cobrada “do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores ou, ainda, dos sucessores à escolha do credor”, segundo Tema Repetitivo 1.204 do STJ.
Por fim, no Estado de São Paulo, para incêndios de natureza desconhecida que atinja cana-de-açúcar o método para apuração do nexo de causalidade – responsabilidade ambiental subjetiva – é o previsto na Portaria CFA nº 16/2017 que estabelece quatorze critérios objetivos para apuração do nexo, cada um com uma pontuação. Ao final, somados dezesseis pontos ou mais, é afastado o nexo de causalidade, evitando a lavratura de auto de infração na cana-de-açúcar atingida.
Já, para a vegetação nativa atingida, segue a teoria da responsabilidade subjetiva aqui apresentada para lavratura de auto de infração (administrativa), como também para a responsabilização criminal, contudo, para a reparação do dano ambiental (civil) será aplicada a teoria da responsabilidade objetiva, sendo o proprietário ou possuidor a qualquer título, atual ou anterior nos moldes do Tema Repetitivo 1.204 do STJ, obrigado a repará-lo.
Diego Henrique Rossaneis
Advogado.
Rafael da Costa Silva
Advogado.