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A dispensa sem justa causa precisa ter causa?
O pleonasmo é necessário para enfatizar que a dispensa sem justa causa permanece lícita, a repudiar qualquer terrorismo e desinformação. Isso porque, o escopo da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 39 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 1625 não era tornar todo e qualquer empregado estável, mas sim, perquirir a constitucionalidade do Decreto nº 2.100/96 do Presidente da República Fernando Henrique Cardoso que desobrigou o Brasil de cumprir a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).Nesse sentido, as cogitações a respeito da dispensa imotivada foram propagadas, sobretudo porque a Convenção 158 da OIT regula em seu artigo 4° que: “Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço.”
Acerca da questão, as magistradas Manuela Hermes de Lima, Silvia Teixeira do Vale e Christine Martins Ferreira (2023, p. 301) contextualizaram: “Aprovada na 68ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho (Genebra, 1982), a Convenção n. 158 da OIT entrou em vigor no plano internacional em 23 de novembro de 1985. Além de proibir a despedida de forma vazia, a referida convenção prevê em seu artigo 7° a necessidade de observância do contraditório quando a cessação contratual trabalhista tiver como motivo o comportamento ou desempenho do empregado”.
Nesse cenário, existiram duas polêmicas: a inconstitucionalidade formal da denúncia da Convenção n° 158 da OIT e, de forma inerente, a limitação proposta por essa norma internacional no que tange ao poder do empregador de despedir.
Sobre esse tema, foi defendido que o ato unilateral do presidente da república não se conciliava com o Estado Democrático de Direito, bem como com o devido processo legal, na medida em que, se a incorporação da Convenção ao ordenamento jurídico brasileiro dependia do crivo dos poderes executivo e legislativo, da mesma forma deveria ser a denúncia por consistir em ato jurídico complexo, razão pela qual, não poderia ter sido feita pelo ato de vontade de uma só autoridade.
Ocorre que, o STF decidiu pela maioria que, sem prejuízo da importância do Sistema de Freios e Contrapesos que envolve a separação dos poderes, ou seja, por mais que fosse necessária a ratificação pelo Congresso Nacional acerca da denúncia feita pelo Presidente da República, não é menos importante a segurança jurídica consagrada nesses anos, tanto no que tange à presunção de legitimidade do Decreto nº 2.100/96, quanto no que diz respeito ao costume que se enraizou de ocorrer a dispensa sem justa causa desacompanhada de explicação.
Sobre o tema, a jurisprudência da mais Alta Corte Trabalhista e dos Tribunais de 2ª Instância, vide, por amostragem, a ementa extraída do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região (Mato Grosso), corrobora o posicionamento consolidado, veja:
“Reintegração. dispensa arbitrária. convenção 158/OIT. IMPOSSIBILIDADE. Ainda que se pudesse acreditar na eficácia da Convenção nº 158 da OIT, esta foi denunciada pelo Governo Brasileiro, via Decreto nº 2.100, de 20.12.1996. Ocorre que a norma jamais surtiu eficácia, no ordenamento pátrio. No Diário Oficial da União de 11.4.1996, publicou-se o Decreto nº 1.855, de 10.4.1996, que determinava a execução da Convenção nº 158 da Organização Internacional do Trabalho – OIT “tão inteiramente como nela se contém”. O ato administrativo não selava a controvérsia em torno da eficácia da aludida convenção. A Constituição Federal, de maneira indiscutível (arts. 7º, I, e 10, I, do ADCT), estabelece a via pela qual há de se estabelecer a proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, assim como os mecanismos de reparação respectivos. (…) Se a proteção contra o despedimento arbitrário ou sem justa causa é matéria limitada à Lei Complementar, somente a Lei Complementar gerará obrigações legítimas. Como rudimentar exigência de soberania, não se pode admitir que norma inscrita em tratado internacional prevaleça sobre a Constituição Federal. Agravo de instrumento conhecido e desprovido.” (TST – AIRR: 14307920145170007, Relator: Alberto Luiz Bresciani De Fontan Pereira, Data de Julgamento: 03/05/2017, 3ª Turma, Data de Publicação: 18/08/2017)
“DISPENSA DO EMPREGADO. JUSTO MOTIVO. APLICAÇÃO DA CONVENÇÃO 158 DA OIT. (…) Outrossim, o col. TST entende ser válida a denúncia da Convenção, levada a cabo pelo Decreto n. 2.100/1996, não havendo, pois, que se cogitar de sua inconstitucionalidade ou de ofensa ao art. 49, I, da CF. Assim sendo, não há falar em nulidade do ato de dispensa por ocasião da aplicação da Convenção n. 158 da OIT. Não obstante a isso, a dispensa sem justa causa é considerada um exercício regular do direito do empregador, decorrente de seu poder potestativo. (…).” (TRT-23 00009946220175230003 MT, Relator: JOAO CARLOS RIBEIRO DE SOUZA, Gab. Des. João Carlos, Data de Publicação: 28/08/2018)
Logo, se os próprios Tribunais, responsáveis por dizer o direito no caso concreto, respaldaram a livre iniciativa, não há que se falar em necessidade de justificação do término da relação de emprego quando se trata de dispensa sem justa causa,sobretudo porque o ordenamento jurídico pátrio se calca na premissa de que a boa-fé se presume, enquanto a má-fé se prova, sendo digno de nota a observação de CALVET (2023), no sentido de que, enquadrar tudo como fraude, ou, nesse caso, discriminação, é relativizar o princípio da isonomia, bem como a própria função social da empresa.
Além disso, o empregado dispensado sem justa causa tem uma série de direitos que o acobertam e impedem que fique vulnerável economicamente, haja vista a multa de 40% do FGTS e a possibilidade de saque imediato (GARCIA, 2023, p. 14), sem prejuízo de outros benefícios, como o recebimento de seguro-desemprego, por exemplo.
Igualmente, caso considere que a sua dispensa imotivada foi ensejada por conduta discriminatória, o trabalhador também tem instrumentos para tornar a resilição nula, razão pela qual, não há subsídio para considerá-lo como desprotegido diante de uma dispensa imotivada e sem justificação. É digno de nota que a Lei n° 9.029/1995 e a Súmula 443 do TST já impõem limites a liberdade de despedir, impedindo que sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, doença grave, dentre outros motivos deem azo à dispensa imotivada.
Dessa forma, o STF atento às necessidades constitucionais, patronais, bem como da própria sociedade, decidiu, nos autos da ADC n° 39, pela modulação dos efeitos, isto é, que ““ A denúncia pelo Presidente da República de tratados internacionais aprovados pelo Congresso Nacional, para que produza efeitos no ordenamento jurídico interno, não prescinde da sua aprovação pelo Congresso”, entendimento que deverá ser aplicado a partir da publicação da ata do julgamento, mantendo-se a eficácia das denúncias realizadas até esse marco temporal.”.
Portanto, tem-se que, por mais que o artigo 7°, inciso I, da Lei Maior, discipline que: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;”, evidente que essa norma-regra goza de eficácia limitada, razão pela qual, enquanto não existir a lei complementar regulando a matéria, não há que se falar em reintegração ou indenizações ao trabalhador que não teve sua dispensa sem justa causa motivada.
Isso se revelaria incoerente com o que rege o artigo 8°, §2°, da Consolidação das Leis do Trabalho, quando dispõe: “2° Súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei.”.
Diante dessas considerações, é perceptível que o Supremo Tribunal Federal permitiu a estabilidade da jurisprudência acerca do tema, sem desprezar o paralelismo das formas, conciliando, pois, a cognoscibilidade, confiabilidade e calculabilidade na Justiça com o princípio democrático e a soberania popular.
Fontes:
https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_236164/lang–pt/index.htm Acesso em 30.06.2023.
https://pje.trt23.jus.br/jurisprudencia/ Acesso em 30.06.2023.
Lima, Manuela Hermes de. Proteção contra a despedida arbitrária e direito antidiscriminatório: uma leitura de antigos paradigmas. In: Revista LTr : legislação do trabalho, v. 87, n. 3, p. 301, mar. 2023
Garcia, Gustavo Filipe Barbosa. Despedida arbitrária e sem justa causa: Convenção nº 158 da OIT e sistema jurídico brasileiro. In: Revista Fórum justiça do trabalho, v. 40, n. 473, p. 11-15, maio 2023
https://www.conjur.com.br/2023-jun-20/trabalho-contemporaneo-drobe-tudo-ou-manual-fim-justica-trabalho Acesso em 03.07.2023.
https://www.conjur.com.br/2023-jun-06/trabalho-contemporaneo-justica-trabalho-pedir-perdao-mudar Acesso em 03.07.2023.
https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=509163&ori=1 Acesso em 03.07.2023.
https://www.conjur.com.br/dl/stf-retoma-analise-possibilidade.pdf Acesso em 30.06.2023